segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Cidadãos e delinqüentes

Michel Foucault, em Vigiar e Punir, mostra como o sistema (tantas vezes lembrado pelo "herói" do filme Tropa de Elite) produz a delinqüência - que não se confunde com a prática de atos ilícitos. "Delinqüentes" é um rótulo atribuído a membros de determinado grupo social através de um mecanismo de criminalização que tem elementos oficiais, como o aparato judicial, e outros bem menos formais (como a violência dos aparelhos repressivos), porém não menos efetivos no seu intento de impor relaçoes de poder.

Raúl Eugenio Zaffaronni, criminalista argentino, diz que o sistema penal tem, sobretudo, uma função simbólica, qual seja a de "marcar" aleatoriamente integrantes dos grupos mais marginalizados do poder, de forma impor limites à sua conduta.
Delinqüência é coisa de pobre, de favelado, de morador de ocupação irregular. Essa é a carne que alimenta o sistema punitivo estatal. Delinqüente rouba tênis (ou relógio) com estilete na mão. É a delinqüência que assombra o cidadão-de-bem-que-paga-seus-impostos. São esses extraterrestres - como Luciano Huck chamou seus assaltantes -, tão diferentes dos moradores de condomínio fechado ou bairro exclusivo, que representam a "ameaça da criminalidade".
Esses seres inumanos não merecem direitos humanos ("direitos humanos para humanos direitos", diz um lema popular nos pára-brisas de automóveis). Para esses, tortura, invasão do domicílio, extermínio sumário.
Entretanto, Dario Trevisan, o todo-poderoso da Coperves, algemado, ou os diretores do DETRAN/RS presos, são imagens chocantes. Eles não são delinqüentes. Afinal, também habitam os condomínios fechados. Freqüentam o respeitável círculo social burguês. Algemá-los é desnecessário, exagerado. Onde estão os direitos humanos?!
Certos setores da sociedade gaúcha, e seus porta-vozes da dita grande imprensa, mostram-se perplexos ante essa extravagância da Polícia Federal, que dispensa a cidadãos de bem o tratamento reservado a delinqüentes natos.
O BOPE é honesto. A PF é truculenta.
• A charge é do genial cartunista gaúcho Kayser.
• Leia mais sobre a cobertura da imprensa no caso DETRAN/FATEC no Animot.

5 comentários:

Anônimo disse...

Uma das maiores conquistas oriundas das idéias liberais foi, precisamente, a igualdade perante a lei e a extinção dos privilégios legais. Ainda que hoje tal princípio esteja sendo mitigado pelos advogados da "nova nobreza"(que não tem pompa e nem castelos), ainda possui grande validade no direito positivo.

E parte disso deve se refletir no âmbito criminal. A todos, os rigores da lei, dentro do que a lei determina. Importa o fato, e não o autor. Pobre ou rico, favelado ou morador de condomínio, se autores de um mesmo crime, devem receber o mesmo tratamento.

Entretanto, também faz parte do princípio da igualdade a equidade, que significa tratar os iguais de maneira igual, e os desiguais de forma desigual. Assim, faz sentido a prisão preventiva de assaltantes e de ladrões. Mas, por outro lado, em se tratando de crimes ditos "do colarinho branco", não basta o afastamento (provisório) do alegado autor dos fatos das funções que possibilitaram que cometesse o delito?
Vejo como uma forma de constrangimento excessivo algemar e prender acusados de certos crimes, que não estejam sequer pensando em sair do país a fim de se evadirem da justiça brasileira.

Cé S. disse...

Excelente postagem.

Paulo Vilmar disse...

Oi!
Dizer que todos são iguais perante a Justiça não é verdade! Apenas como exemplo: numa prisão temporária ou preventiva ou qualquer que seja, sem sentença condenatória transitada em julgado, quem tem algum tipo de diploma universitário já sai na frente, tem direito a chamada "prisão especial", ou seja não vai ser trancafiado junto com a patuléia, ele o "bacharel" está uns pontos acima do ladrão de galinhas ou de carros, ou seja lá o que for. o outro exemplo é na prática: a justiça até pode pensar que tudo é igual, que todos são iguais perante a Lei, etc..., mas a polícia, esta sabe onde esta pisando, chega no casebre e mete o pé na porta, depois se precisar arranja um mandado. Arranca o sujeito(suspeito) de casa a safanões, tapas e o que mais precisar, não se importa de ser fotografado até pisando no pescoso do meliante. Já no asfalto, a coisa muda. Mesmo com mandado, ele espera que alguém abra a porta, espera o "Dotor" se vestir, da direito a telefonema, pode levar escova de dente, toalhinha, etc...
Ou seja, a polícia sabe o proceder certo de uma investigação/prisão, mas só a executa quando o personagem é "Dotor". O procedimento policial é claro, todos os presos devem ser algemados, ora, se são TODOS, porque defender que os "dotores" não o sejam? Por fim, a prisão temporária ou preventiva, não tem como condão estancar o crime mas, não deixar que o suspeito, constranja testemunhas, subordinados ou até mesmo superiores, apagando provas, combinando depoimentos e estratégias de defesa, elaboradas pelas mentes afiadas de seus advogados.
Acabei me alongando, ótimo blog!
Abraço

Paulo Vilmar disse...

No comentário acima, onde lê-se pescoso, leia-se pescoço.(desculpe)

Anônimo disse...

A tal de "prisão especial" é um descalabro, uma vergonha, uma infâmia.

Ah, e vocês (e o Fagner) têm de ver este vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=82KxImIGX08.

Observem a conduta do policial diante da agressão. Eis o Brasil...