terça-feira, 23 de outubro de 2007

Asunción, Paraguay

Estou partindo em seguida para o Paraguai, onde participarei da XV Jornada da AUGM (Associação de Universidades do Grupo Montevidéu), sediada, este ano, pela Universidad Nacional Abierta (UNA). Vou apresentar trabalho sobre Planejamento Municipal e Habitação Social, dentro de um dos eixos da Jornada, "Desenvolvimento Regional".
Espero ver em Asunción o amplo favoritismo de Lugo para as eleições presidenciais. Notícias na volta. ¡Hasta!

Nota

Recebo a informação, pela assessoria do Prefeito Municipal, que a rótula da Avenida Rio Branco (foto na matéria anterior) vai ser custeada pelo Royal Plaza Shopping e executada pela Prefeitura. O assessor informa ainda que o Carrefour prestou contrapartida de 1,2 milhões, que serão utilizados na reforma do Cine Independência para abrigar o "Shopping Popular", como eu, aliás, já havia dito aqui. Menos mal. É sinal de que nossa Administração descobriu o Estatuto da Cidade.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Curtas

Algumas notícias do dia (livremente comentadas por este redator):

A Prefeitura Municipal de Santa Maria anuncia grandes mudanças na infra-estrutura urbana para desafogar o trânsito. É perceptível que a frota de automóveis da cidade aumentou substancialmente em pouquíssimo tempo (alguns apontam crescimento de 1/3 nos últimos anos), contudo, a maior razão para as reformas é a instalação de grandes empreendimentos comerciais, como o Carrefour, na Avenida Rio Branco, e o Royal Plaza Shopping, na Avenida Dores (ambos instalados em locais inadequados do ponto de vista urbanístico). Minha pergunta: não deveriam tais investimentos ser custeados pelas empresas, como contrapartida por sua instalação? Como sempre, pagamos para que elas tenham lucro.
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Enquanto isso, duas das maiores multinacionais do ramo de supermercados, a Wal-Mart e a Carrefour, brigam pelos corações (e pelo dinheiro) dos gaúchos. A primeira é dona da antiga rede SONAE (Big, Nacional, Maxxi Atacado) e a segunda de vários hipermercados, sendo que o mais novo deles deve ser inaugurado nos próximos dias no centro da Cratera Urbana. As grandes redes exploram funcionários, acabam com o comércio local, geram prejuízos urbanísticos e se valem dos recurso públicos, mas deixam a gente com cara de "cidade grande"... parece até filme americano...
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Ao menos, os investimentos em infra-estrutura já não se limitam ao centro da cidade, nem se destinam exclusivamente a facilitar a vida das multinacionais. Ontem, na Vila Ecologia (na antiga área verde do Parque Pinheiro Machado), tiveram início as obras de saneamento custeadas com a (baita) verba do PAC. Claro que o jornal local da RBS preferiu destacar o início de outra obra: a construção de mais um presídio para a cidade, matéria de capa do Diário de Santa Maria. A prisão dos pobres é mais importante que suas conquistas.
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Por falar em pobre preso, o jornal (!?) A Razão traz matéria sobre o morador do Assentamento Carlos Marighela (zona oeste), Altamir Boita, que após uma polêmica com os seus vizinhos - no caso, os empresários do Distrito Industrial -, foi preso. Na sua casa, foi encontrada munição proibida. Me pergunto se ainda verei a notícia de que algum "ruralista" foi preso devido aos arsenais particulares que tanto gostam de ostentar. Ah, a diferença é que os fazendeiros têm armas para defender seu patrimônio. Sim, a propriedade. Ela dá direitos civis extras. O velho argumento de Locke...
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Deixando um pouco a Cratera e olhando para o mundo ao seu redor (sim, aqui não é apenas o centro do Rio Grande, mas do universo). O negócio mais lucrativo para as classes no poder, a guerra, não pára. O parlamento turco aprovou a invasão (outra!) do Iraque. Os "aliados" (agora que já mataram o povo e se adonaram do petróleo) desaprovam a atitude. Enquanto isso, aquele psicopata que governa os EEUU a mando da indústria bélica segue ameaçando o Irã. Não bastasse, os russos (antigamente conhecido como demônios) testam, com sucesso, seus mísseis transcontinentais.
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Dom Odilo Scherer, gaúcho e Arcebisbo de São Paulo, foi nomeado cardeal pelo chefe do Estado do Vaticano e representante (facista) de deus na Terra. Honraria duvidosa, do ponto de vista histórico, ser nomeado pelo Ratzinger.
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Novamente um ato político em uma Universidade foi terminado pela tropa de choque (a tropa da elite). Já está virando hábito. Mesmo na ditadura militar, as universidades eram espaço de resistência. Agora, a polícia é atirada para cima de professores e estudantes sem o menor pudor. É que eles estavam ocupando a universidade, tratava-se de ação de reintegração de posse movida pelos proprietários. Ah, a propriedade. De novo. Provavelmente é ela que justifica que madeireiros mantenham cerco a ambientalistas no Pará.

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Por outra lado, minha paixão infantil pela Xuxa retornou. É a segunda vez que isso acontece. A primeira foi quando assisti (por volta dos 12 anos) o filme Amor Estranho Amor. Agora, volto a me apaixonar pela rainha ao ver o quadro de seu programa em que ela fala a respeito da escola itinerante do MST aos seus baixinhos. Pelo jeito, a loira está querendo compensar o mal que fez aos cérebros da minha geração.

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Por fim, a prova incontestável de que o Juízo Final se aproxima é esta página da Folha Online. As manchetes:

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Imagens:
- foto da Av. Rio Branco: Cláudio Vaz/DSM
- Ratzinger de olho no agonizante João Paulo II: BBC
- cartaz do filme Amor Estranho Amor: Google

terça-feira, 16 de outubro de 2007

"Meu rico dinheirinho" - parte II

Como Thoreau, gostaria de viver num mundo em que não tivesse de dar um tostão ao Estado. Mais do que isso, gostaria de viver num mundo em que nem Estado, nem dinheiro existissem. Contudo, sei que esse mundo livre existe apenas no nosso horizonte, para mostrar a direção de nossa caminhada. Mas hoje e aqui, onde se contrapõe o mercado ao Estado, acredito que os impostos se justificam plenamente.

Correndo o risco de ser considerado um grande heresiarca, digo que a carga tributária no Brasil não é grande, apenas mal distribuída. Afeta demais os pobres e pouco os ricos. Aliás, melhor distribuída, a carga deveria até aumentar. O imposto de renda, Professora Loraine, por exemplo, deveria ser realmente progressivo. Hoje são apenas duas alíquotas: 15% para quem ganha de R$ 1.313,25 até R$ 2.625,12 e 27,5% para quem ganha mais do que isso. Poderia começar com 1% sobre rendimentos superiores a R$ 1.000,00 (lembre-se que a grande maioria da população ganha menos de R$ 800,00) e chegar a 50%, 60% sobre as maiores rendas, como a dos banqueiros.

O imposto sobre as grandes fortunas, previsto constitucionalmente, mas jamais implementado, deveria ser o mais importante num país como Brasil, onde riqueza e miséria extremas convivem. No entanto, são aumentados os impostos cujo ônus é repassado ao longo da cadeia de consumo, como o ICMS e o ISSQN. Nesses casos, quem realmente paga são os trabalhadores, os únicos que não podem passar adiante o “valor embutido”. Embora os comerciantes, profissionais liberais e prestadores de serviço em geral reclamem indignados, os verdadeiros "cidadãos de bem que arcam com os impostos" são os assalariados mais pobres, que sustentam, inclusive, a Previdência. Seu dinheiro já financiou habitação para a classe média, pontes e hidrelétricas. As maiores do mundo, aliás.

Mas há outra questão. A classe média é mais beneficiada pelo Estado do que os pobres. Estes não têm saneamento, contam com transporte e educação precários. Moram longe dos principais serviços públicos e, não raro, são humilhados por servidores estatais em filas intermináveis. Por isso, devem ser cobrados tributos compensatórios, como a contribuição de melhoria.

Mas – contesta a opinião geral –, mal ou bem distribuída, a carga tributária no Brasil chega a 35% do PIB! Eu respondo: e daí? Eu acho pouco. Ora, se a única distribuição de renda do Brasil é (mal e parcamente) feita pelo Estado, de saída, está limitada a um terço da produção. Se considerarmos que desse percentual, três quartas partes vão para o pagamento do serviço da dívida externa, resta menos de 10% do PIB para garantir os serviços públicos, a Previdência Social (maior redistribuidora de renda do país) e os programas sociais.

É claro que é preciso contabilizar ainda a sonegação, que reduz drasticamente a arrecadação, e os desvios de verbas públicas, que diminuem os investimentos. Ao meu ver, a desigualdade social no Brasil tem muito a ver com o histórico nanismo do Estado.

Alberto Deodato, clássico autor de Direito Financeiro, em meados do século passado já dizia que a concepção liberal de Estado como parasita dos lucros privados não se sustentava. O dinheiro arrecadado retorna em utilidades que jamais seriam supridas pelo mercado, pois não são lucrativas. Em outro enfoque, Celso Furtado demonstra à exaustão que os únicos períodos de desenvolvimento (não mero crescimento) do Brasil somente foram possíveis pela intervenção do Estado na economia.

A iniciativa privada, além de não desenvolver o país (remetendo a maior parte dos lucros às matrizes das multinacionais), não redistribui renda. Isso simplesmente porque a riqueza produzida pelos trabalhadores é substancialmente maior do que eles recebem como salário. O mercado concentra o capital. É da sua natureza. Por isso, precisamos de um Estado forte, com recursos e apto a servir como instrumento de transformação da sociedade.

CPMF ou "Meu rico dinheirinho"

Enquanto o Congresso Nacional discute a prorrogação da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF), pipocam declarações contrárias ao tributo. A julgar pelo veiculado nos meios de comunicação de massa, essa posição é um dos poucos consensos nacionais. Algo assim como o Pelé jogando bola. Aliás, quando se fala em tributos no Brasil há, de antemão, uma opinião formada: a carga tributária é excessiva. Discordar é burrice, insanidade, malcaratismo, heresia.

Pois sou inteiramente favorável à prorrogação da CPMF. A alíquota é de 0,38%, isto é, R$ 3,80 para cada R$ 1.000,00 movimentados em conta corrente. Para aqueles que movimentam grandes somas, se torna bastante. Mas, por exemplo, quem ganha R$ 800,00 por mês (70% da população brasileira ganha menos que isso, segundo o último PNAD) recolhe uma cerveja por mês aos cofres públicos. Muito menos do que paga pelos serviços do banco.

A CPMF – impossível de ser sonegada – é pesada para os especuladores financeiros, que vivem à custa da movimentação constante do capital. Por isso é tão combatida. Além disso, a contribuição exerce uma importante função extra-fiscal, auxiliando no controle à lavagem de dinheiro.

Dos 38 bilhões arrecadados em 2006, metade foi para o Fundo Nacional de Saúde, do resto, 10 bilhões custearam o Bolsa Família e outros 7 bilhões foram destinados ao custeio do auxílio-doença e do auxílio-maternidade, conforme noticia o Vermelho.

E não me importa se as bandas pop estão fazendo show contra a CPMF. Para mim, imposto significa redistribuição de renda.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

O Sucessor e os limites do ridículo


Se Jobim tivesse ficado dando aula no Direito da UFSM eu o pouparia dessa, em respeito ao dia do professor e em consideração à classe. Contudo, o candidato a sucessor (que terá o apoio de Lula), desde que assumiu (e assumiu mesmo!) o Ministério da Defesa, tem se esmerado em testar limites. Acima de tudo, os limites do ridículo. Um homem com sua biografia não precisava, à essa época da vida, fazer campanha fantasiado de milico. Não sei se é triste, ou como disse o Cristóvão Feil, meramente cômico. Leia mais lá no Diário Gauche (de onde tirei a foto): Jobim e a ilusão de si mesmo.

O ponto Nevrálgico da blogosfera

Um dos espaços mais qualificados de opinião está de volta à rede. O Nevrálgico?!, de Júlio Canello, é o lugar certo para entender o que se passa na política nacional. Mas o blogue não fica por aí... clique nas letrinhas azuis para conferir.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Calçadão



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O MST, a lei e os cidadãos de bem

No jornal crateriano A Razão, edição de 09/out, leio a carta indignada de um cidadão de bem. O advogado Marlon Adriano Balbon Taborda (não vá me processar!) escreve irresignado com a permissividade das autoridades locais em relação ao ato do MST na praça Saldanha Marinho (noticiado aqui), no artigo intitulado "O MST, o som e a lei":

Em Santa Maria existe legislação vigente que prevê a não utilização (ou proibição) de carros de som no centro e arredores da cidade? A pergunta é feita pelo fato de que no dia 4 de outubro de 2007, próximo ao horário do meio-dia, diversos cidadãos santa-marienses presenciaram os seres que estavam se dizendo representar o Movimento Sem Terra (MST) manifestarem-se, sendo que tinham um veículo de som que emitia um estridente e altíssimo som que invadia a privacidade e os aparelhos auditivos dos cidadãos de bem que estavam em via pública. Por ironia do destino, tal veículo não foi apreendido. (grifos meus)

Os outros dois parágrafos seguem no mesmo tom. Respeito a opinião do ilustre futuro colega. Aliás, admiro qualquer pessoa com coragem de expor publicamente suas opiniões (assinando embaixo), sejam elas quais forem. Contudo, nesse texto me chama a atenção um elemento: a forma como o autor faz a diferenciação entre os integrantes do MST e os cidadãos de bem. Quem são os tais "cidadãos de bem", aos quais a opinião conservadora sempre se refere? Em algumas ocasiões é acrescentado um outro elemento à expressão: "cidadãos de bem que pagam seus impostos".

Membros do MST não são cidadãos de bem. Os sem-teto também não. Os marginalizados são o oposto disso. Pobre só é cidadão de bem se agüentar calado a exploração, a exclusão e o chicote. Cidadãos de bem só podem participar do "Movimento" Cansei.

A classe média reacionária usa esse auto-proclamado título como forma de diferenciação social. O cidadão de bem é um perene indignado. Indigna-se contra os impostos, contra o moleque que pede esmola, contra a carroça do catador que atrapalha o trânsito, contra os camelôs, contra o barulho, contra o Fome Zero e contra o passe livre. Acha-se injustiçado porque o uísque e os combustíveis subiram ou porque o final da novela não era o que esperava. Para o cidadão de bem, os ricos são trabalhadores e os trabalhadores são bandidos, arruaceiros ou burros. Integrantes de movimentos sociais são seres - algo que não chega a ser exatamente humano.
Afinal, para quem já privatizou a cidadania, o próximo passo é privatizar a humanidade.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

São Borja II - a herança da ditadura

Em atenção à família do ilustre vereador, prefeito, deputado e interventor, reescrevo a matéria sobre os efeitos da ditadura militar sobre São Borja. Mantenho as mesmas posições, evitando personificar a crítica. Reconheço que até mesmo os piores tiranos podem ser, no âmbito pessoal, bons pais e avós carinhosos. Não podemos confundir as coisas. Minhas críticas – que mantenho – foram dirigidas à figura pública que regeu a vida política de São Borja durante três décadas. Como governante e político – não como indivíduo – essa personagem representa tudo (ou quase tudo) que repudio.

Eu poderia – talvez até devesse – iniciar a série sobre São Borja abordando os primórdios de sua história... o primeiro dos Sete Povos das Missões, as guerras por fronteiras, a Guerra Guaranítica ou mesmo a Guerra do Paraguai. Ou, senão, falar dos tempos em que a República era confabulada em suas ruas; Quem sabe falar da Revolução de 30 ou da Legalidade, momentos da vida nacional em que a cidade teve papel de destaque.

Mas não: eu começo a série falando sobre um outro período, bem menos brilhante e mais trágico. A ditadura militar, um tempo de absoluta bestialização da cidade, em que a herança política de Getúlio, Jango e Brizola foi cuidadosamente enterrada. Os milicos e seus títeres civis (como fizeram em todo o país) trouxeram a idade média para a cidadezinha acostumada a discutir os assuntos do Catete e do Planalto.

A ditadura perseguiu inimigos políticos (e inimigos pessoais de seus agentes). Prendeu, torturou, matou. Crimes impunes até hoje. Esquecidos por quase todos, exceto pelos perseguidos, torturados e pelos familiares dos mortos. Os agentes da ditadura, por outro lado, ainda são festejados por seus cúmplices. Após deixarem o poder ditatorial continuaram sendo eleitos pelo povo que trataram de emburrecer. E fizeram sucessores, cuja bandeira continua sendo o latifúndio – alcunhado de “agronegócio”.

A ditadura fez mais. Ela transformou a antiga cidade dialética – dividida entre chimangos e maragatos – que proporcionava o enfrentamento e o debate de idéias, na cidade do pensamento único, que se divide apenas em incluídos (ou privilegiados) e excluídos (ou o povo).

A São Borja que a intervenção militar construiu é a cidade-feudo, onde reina uma elite agrária falida, que faz carreatas pelo perdão de suas dívidas em camionetes último modelo. É a cidade provinciana, que louva os nomes das famílias tradicionais (ou ricas) e despreza seu povo miserável, corajoso e persistente. Enfim, a reprodução em escala maior de uma estância.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Uma das maiores alterações estruturais no centro de Santa Maria nos últimos trinta anos foi a construção do Viaduto Evandro Behr (popularmente chamado de “Buraco do Behr”).

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

¡Hasta siempre Comandante!

Aprendimos a quererte / Desde la histórica altura / Donde el sol de tu bravura / Le puso cerco a la muerte [...] Seguiremos adelante / como junto a ti seguimos / y con Fidel te decimos / '¡Hasta siempre Comandante!'" (Carlos Puebla)

Neste 8 de outubro é impossível não deixar algumas palavras sobre o grande herói das últimas gerações de revolucionários, idealistas, sonhadores ou, simplesmente, inconformados. Ernesto Guevara de la Serna, um argentino que mais tarde seria conhecido simplesmente por “Che”, foi a síntese viva de um ideal. Teórico da revolução, comandante guerrilheiro, político brilhante, o maior mérito de Che Guevara foi ter tido uma vida à altura de suas idéias.

Hoje completam 40 anos de sua execução na selva boliviana. A mídia serviçal das elites, ciente da importância do exemplo de Che, ataca sua imagem, numa vã tentativa de distorcer a história. A revista Veja o chama de “assassino sedento por sangue”. Mas é um esforço inútil: a memória de Che continuará a guiar os ideais e os atos de cada pessoa que tenha a capacidade de se indignar com a injustiça, independente de onde ela ocorra.

Contudo, em face da reportagem da Veja, julguei pertinente transcrever um trecho da última página escrita por Che, um dia antes de sua morte:

Octubre, 7
Se cumplieron los 11 meses de nuestra inauguración guerrillera sin complicaciones, bucólicamente; hasta las12:30, hora en que una vieja, pastoreando sus chivas entró en el cañón en que habíamos acampado y hubo que apresarla. La mujer no ha dado ninguna noticia fidedigna sobre los soldados, contestando a todo que no sabe, que hace tiempo que no va por allí. Sólo dio información sobre los caminos; de resultados del informe de la vieja se desprende que estamos aproximadamente a una lega de Higueras y otra de Jagüey y unas 2 de Pucará. A las 17:30, Inti, Aniceto y Pablito fueran a la casa de la vieja que tiene un hija postrada y una media enana; se le dieron 50 pesos con el encargo de que no fuera a hablar ninguna palabra, pero con pocas esperanzas de que cumpla a pesar de sus promesas.”
(El Diario del Che en Bolivia, 1ª ed. Cuba: Instituto del Libro de La Habana, 1968).

Che Guevara fugia com seu grupo revolucionário do cerco imposto pelo exército boliviano. Ao encontrar a velha pastora e suas filhas, o comandante sabia que uma denúncia poderia significar sua captura e morte, o que efetivamente veio a ocorrer. Por que o “guerrilheiro sanguinário” da Veja não executou aquela família? Ao contrário: deu-lhes 50 pesos e foi denunciado, morrendo por ela e por todo o seu povo, que ainda hoje segue sua luta por libertação.

domingo, 7 de outubro de 2007

Moradia no Brasil II

São casas simples / Com cadeiras na calçada / E na fachada / Escrito em cima que é um lar (Gente Humilde – Garoto, Vinicius de Moraes, Chico Buarque).

Há alguns dias, comentei o estudo realizado pelo Ministério das Cidades sobre a questão habitacional nas metrópoles do país. Embora os indicadores sociais brasileiros tenham melhorado nos últimos anos, o direito fundamental à moradia – indispensável para a consolidação de outros direitos, como saúde, segurança, lazer, etc. – ainda é negado à grande parte da população.

Como Jacques Alfonsín sempre enfatizou, a efetivação do direito à moradia está diretamente ligada à luta pelo acesso à terra. A democratização da propriedade urbana é indispensável para a solução do problema. Isso implica, sobretudo, no enfrentamento daqueles que detêm hoje o domínio exclusivista sobre os bens que são necessários a todos: os grandes proprietários.

Segundo o especialista em Direito Urbanístico, Edésio Fernandes, o deficit habitacional no Brasil, em 2006, girava em torno de 7,2 milhões de unidades residenciais, ao passo que, somente nas grandes cidades, havia cerca de 5 milhões de imóveis vazios. O combate à concentração da propriedade urbana deveria ser, portanto, a prioridade de qualquer política voltada para a habitação social. Entretanto, os governos – quando, acossados pela pressão dos milhares de sem-teto, tentam atacar o problema – seguem desenvolvendo programas de assentamento em regiões afastadas, sem infra-estrutura, com a construção de moradias precárias ou de valor excessivamente elevado.

Ou seja, preferem um modelo de assentamento altamente dispendioso, segregador e de pouca efetividade do que enfrentar a estrutura fundiária urbana reprodutora de exclusão social.

A política de habitação social – assim como a reforma agrária – não pode se resumir ao assentamento de sem-tetos, mas deve envolver um conjunto de medidas integradas cujo fundamento é combater a lógica de exclusão que o mercado imobiliário impõe às cidades. Para tanto, deve contemplar, no mínimo: a desconcentração da propriedade urbana, com o enfrentamento dos grandes proprietários; sua distribuição de forma a evitar a segregação territorial e, por fim, a efetiva democratização da cidade, com o desenvolvimento de alternativas sustentáveis de desenvolvimento local.

Tais medidas poderiam ser tomadas sem a necessidade, sequer, de alterações legislativas. O ordenamento jurídico brasileiro já traz instrumentos hábeis a promover uma reforma urbana nesses moldes. O que falta é a disposição em usá-los.
Seguirei abordando o tema, tratando de questões que julgo fundamentais para a construção de uma cidade democrática.

Referências:

FERNANDES, Edésio. A nova ordem jurídico-urbanística no Brasil. in: ALFONSÍN, Betânia & FERNANDES, Edésio (org.). Direito Urbanístico. Estudos brasileiros e internacionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2006;

ALFONSIN, Jacques Távora. O acesso à terra como conteúdo de direitos humanos fundamentais à alimentação e à moradia. Porto Alegre : S.A. Fabris, 2003.
• Foto da página do Movimento Nacional de Luta pela Moradia - MNLM.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Marcha do MST realiza ato no centro de Santa Maria

Com o apoio de outros movimentos e entidades - como o MNLM, o Coletivo de Educação Popular Praxis, o Coletivo Voz Ativa, o projeto Esperança/Cooesperança, a Coordenação dos Movimentos Sociais, entre outros - a marcha do MST, que está em Santa Maria há alguns dias, realizou, nesta quinta-feira, ato no centro da cidade.
Por volta das 11h da manhã, os trabalhadores rurais sem terra e apoiadores chegaram à praça Saldanha Marinho, acompanhados por algumas unidades da Brigada Militar.
Na praça houve a tradicional mística do movimento e pronunciamentos dos representantes das entidades presentes. Também discursou o Prefeito Valdeci Oliveira (PT), ressaltando que sua administração sempre apoiou as mobilizações sociais, mesmo contrariando "os poderosos e a direita conservadora" de Santa Maria. Valdeci ainda criticou duramente os Vereadores da cidade, pelos pronunciamentos contra a marcha do MST e pela ausência no ato (esta última crítica, caramente dirigida aos seus próprios correligionários).

Durante toda a mobilização, os integrantes do movimento buscaram dialogar com a população de Santa Maria sobre os motivos do ato e da marcha à fazenda Guerra. Abaixo parte do texto do panfleto distribuído pelo MST:


MARCHAMOS POR TERRA, TRABALHO E PARA PRODUZIR ALIMENTOS

Somos 2.500 famílias sem terras. Marchamos para que os Governos cumpram a Constituição: toda terra improdutiva e que não cumpre sua função social deve ser desapropriada. Porém, a lei não vem sendo cumprida: em 5 anos, menos de 800 foram assentadas pelo Govreno federal, enquanto neste mesmo período, o Governo do Estado nada fez na reforma agrária.

A Fazenda Guerra

Você acha justo que uma única pessoa seja dona de quase 30% de um município inteiro? E que mesmo om 9 mil hectares de terra, essa fazenda gere apenas 2 empregos fixos e 20 empregos temporários? Ou que os impostos que esta fazenda gera para o município (6%) seja igual ao que geram 4 aviários de pequenos agricultores?

E você acha justo que a produção desta fazenda seja para exportação, além de não comprar máquinas e insumos no comércio da região?

Assim é a Fazenda Guerra, em Coqueiros do Sul. Uma fazenda que não cumpre sua função social. A desapropriação desta fazenda tem o apoio de 23 prefeitos da região, além de Igrejas, parlamentares, sindicatos e entidades da sociedade.

Blogue do MNLM de Santa Maria

O pessoal do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) de Santa Maria está na blogosfera. Com fotos, notícias e comentários sobre as lutas e conquistas do movimento. Não deixe de ler o blogue do MNLM/SM.

Shopping Popular: o que pensar?

O plano da Prefeitura Municipal de remover os vendedores ambulantes para um espaço fechado de comercialização parece que vai se concretizar. Conforme matéria de ontem do Diário de Santa Maria, as obras no prédio do antigo Cine Independência estão a todo vapor, impulsionadas pela contrapartida financeira do Carrefour.

Sinceramente, não sei o que pensar sobre a remoção dos ambulantes para o chamado shopping popular. Não compartilho das opiniões higienistas, que querem as ruas vazias de todos os elementos humanos (veja meu comentário sobre a remoção dos cachorrões). O camelódromo no canteiro da Av. Rio Branco não me incomoda, embora reconheça os prejuízos urbanísticos decorrentes de suas atuais instalações. Penso que as condições poderiam ser melhoradas. A concentração dos vendedores no Cine Independência poderia ser essa melhoria?

Ainda não tenho uma opinião formada a respeito. Sei que os ambulantes preferem permanecer na rua, onde têm um contato mais direto com a população. Porém, há outro elemento a se considerar. O comércio informal baseia-se em algumas ilegalidades (ainda que amplamente aceitas pela sociedade), como o contrabando e a chamada pirataria. No shopping popular, será possível vender os mesmos produtos? E sem eles ainda será viável essa alternativa econômica?

Por esses fatores, inclino-me, por enquanto, a rejeitar a idéia. E tu, o que pensas?

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

TJ/RS ordena correção da proposta orçamentária estadual

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, em caráter liminar, ordenou que seja suspensa a tramitação da proposta orçamentária encaminhada pelo Piratini à Assembléia Legislativa. O problema é que o orçamento de 2008, conforme o projeto do Executivo estadual, prevê deficit de 1,3 bilhões de reais, o que é vedado por disposição constitucional. A ação foi movida pelo Partido dos Trabalhadores.
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[edição] Saiu a notícia agora na página do TJ/RS. O Mandado de Segurança foi impetrado por parlamentares da oposição. A decisão em caráter liminar foi do Desembargador Luiz Felipe Silveira Difini e pode ser lida aqui.

Oswaldo Nascimento condenado

Da página de notícias do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:


Mantida condenação de ex-Prefeito
e ex-Secretária Municipal de Santa Maria
A 3ª Câmara Cível do TJRS manteve a sentença de 1º Grau julgou procedente a ação civil pública proposta pelo Ministério Público condenando Osvaldo Nascimento da Silva e Alzira Ávila da Silva a ressarcirem cerca de R$ 7 mil ao Município de Santa Maria, corrigidos desde 1997, incidindo juros de mora de 6% ao ano.

Na época dos fatos, Osvaldo era o Prefeito Municipal de Santa Maria e Alzira a Secretária Municipal do Bem Estar Social. Ambos pretendiam implantar o “Projeto Moeda Legal” com o objetivo de evitar a prática das crianças e adolescentes pedirem esmolas nas ruas locais. O programa consistia em prover o suprimento de algumas necessidades básicas dos jovens. [leia a notícia toda aqui.]

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Moradia no Brasil I


Em matéria do dia 19/set, o Estadão divulgou pesquisa do Ministério das Cidades sobre a questão habitacional no Brasil. Segundo o estudo, cerca de 12,3 milhões vivem em condições precárias, apenas nas grandes metrópoles do país. Os critérios utilizados pelo Ministério excluem locais que contam com alguma infra-estrutura, ainda que pobres. Ou seja, os números referem-se a casas sem as condições básicas de habitabilidade. Além disso, não consideram municípios menores, como Santa Maria, por exemplo.

A existência de uma parcela tão grande de brasileiros cujo direito humano fundamental à moradia é negado parece conflitante com os resultados do PNAD, recentemente divulgados. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios indicou uma grande migração de membros da classe E para a classe D, sendo que aquela, de acordo com os mais otimistas, caminha para a extinção (espero que não seja um trocadilho). Enquanto isso, o deficit habitacional continua estrondoso, mantendo percentuais de dez anos atrás.

Porém, a aparente contradição dos dados é explicável. Primeiro porque, embora tenha havido uma substancial melhora no último ano, ainda existem 36,1 milhões de miseráveis no Brasil, de acordo com o estudo Miséria, Desigualdade e Políticas de Renda, do pesquisador Marcelo Néri, da Fundação Getúlio Vargas. Não se está falando de pobres, mas de miseráveis. A segunda parte da explicação: o chamado “Critério Brasil” – utilizado pelos órgãos de pesquisa para definir as classes sociais – considera, sobretudo, os fatores renda e consumo.

Desde o início do Plano Real ocorre um fenômeno no Brasil: a inclusão no mercado de consumo sem a inclusão na sociedade. Os moradores de favelas, ocupações irregulares, cortiços, puxadinhos na casa da sogra, etc. – com a facilitação do crédito – puderam adquirir eletrodomésticos e outros bens de consumo antes restritos às faixas de maior renda. No entanto, essa relativa ascensão social não permitiu o acesso à terra e à moradia, bens não produzidos em série pela indústria capitalista.

O domínio sobre esses bens é que diferencia realmente as classes sociais. A prática de se enquadrar todos os cidadãos como consumidores – em maior ou menor grau – me parece uma tentativa de esconder a verdadeira dicotomia da sociedade: proprietários x não-proprietários.

Voltarei em breve ao tema da habitação social, com o qual tenho trabalhado bastante ultimamente.

• Pintura "Morro da Favela" de Tarsila do Amaral.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Entre uma foto e outra, trinta anos

No dia 17 de maio de 2008 será o sesquicentenário desta simpática cratera urbana que, hospitaleiramente, me acolhe. Cento e cinqüenta anos – convenhamos – não é muito para uma cidade. Santa Maria é uma adolescente. Uma linda adolescente, caprichosa, com os vícios e virtudes da idade.

Contudo, cento e cinqüenta anos encerram diversas gerações e muitas mudanças. O acampamento militar, o exílio dos índios missioneiros, o coração da rede ferroviária, a cidade universitária. Novamente exílio, agora da diversidade – combatida pelos proprietários segregadores, privatistas e higienistas.

Sim, um século e meio muda muita coisa. Mas não é necessário tanto para perceber isso. A historiadora (e minha amiga), Fernanda Cardozo, envia algumas fotos “nem tão antigas assim” de Santa Maria. São fotos da década de 70, ao que parece. Na medida do possível, publicarei aqui um comparativo dos locais fotografados. Entre uma foto e outra, trinta anos.
• Não obstante as minhas diligências e as da Fernanda para descobrir o(s) autor(es) das fotos antigas, este(s) permanece(m) ignorado(s). Se alguém, porventura, souber, tiver alguma pista, ou alguma suspeita, por favor entre em contato.
• Me propus a tirar as fotos dos mesmos locais retratados na década de 70, mas obter os mesmos ângulos mostrou-se impraticável devido às mudanças físicas da cidade.

Errata

Uma especialista em televisão - o que, definitivamente, não sou - me corrige: a personagem Thaís, da novela das oito, cujo homicídio mobilizou os tele-expectadores brasileiros, era interpretada pela atriz Alessandra Negrini (E) e não por Paloma Duarte (D), como acreditava este redator. A última, esposa do (ótimo) cantor e compositor Oswaldo Montenegro, havia motivado o título da matéria sobre o capítulo final da trama global.

Olhando mais atentamente para a morena, reconheço nada mais, nada menos, que a Engraçadinha, personagem de Nelson Rodrigues, também levada às telas por Alessandra Negrini. Magistralmente, diga-se. Essa eu assisti.
Cá pra nós, a morte de qualquer uma das duas seria uma lástima.
• As fotos são da revista Playboy.