terça-feira, 18 de março de 2008

À guisa de despedida


No dia 18 de maio de 2007 - um dia após os 149 anos de Santa Maria - eu iniciei este Diário da Cratera Urbana, com o despretensioso objetivo de acompanhar o quotidiano dessa extraordinária, complexa e contraditória cidade, procurando manter o olhar crítico – embora apaixonado – de um “estrangeiro” carinhosamente acolhido entre esses morros. O blogue extrapolou os limites previamente delineados. Nesses dez meses, assuntos de todo o tipo tiveram meu pitaco, nem sempre muito ajuizado. Questões nacionais e internacionais, fofocas da província e da aldeia, debates, dicas culturais, movimento estudantil em tempo real, política, futebol... enfim, praticamente, um bolichão de campanha, de tão sortido.

A “audiência” ultrapassou em muito minhas expectativas. Os encontros da “blogosfera”, então... ainda lembro minha emoção ao ser citado pela primeira vez no La Vieja Bruja... ou ao encontrar os links deste Diário no Animot, no Caldo de Tipos, no Nevrálgico e tantos outros igualmente importantes para mim. Foi uma experiência gratificante ouvir as pessoas comentando algum texto do blogue, ou ver um novo conhecido perguntando se eu era “o cara que escreve o Diário da Cratera Urbana”.

Minha meta era “cobrir” o ano do sesquicentenário de Santa Maria. Nesse meio tempo, falar do seu cosmopolitismo, confrontando-o com o provincianismo. Falar da cidade que acolhe tão bem os “estrangeiros” e segrega tanto o seu povo. Mostrar seus encantos, presentes onde quer que se olhe, mesmo em fotos “sem foco nem sentido”. Quis trazer à tela o dia-a-dia dos estudantes da UFSM, das lutas e debates do Movimento Estudantil, do qual participei durante tanto tempo. Comentar a política local, as questões que mexiam com a opinião pública da cidade. Juntar minha voz fraca ao coro dos que ousam destoar da opinião dominante, imposta pelos veículos da grande mídia.

Acredito que tenha feito um pouquinho de cada coisa. Manter o Diário da Cratera Urbana me fez aprender muito sobre o poder da comunicação. Expor minhas idéias publicamente me deu a oportunidade de amadurecê-las.

Contudo, estou deixando a Cratera Urbana antes do que esperava. Numa dessas guinadas inesperadas da vida, parto para o norte do país. Estou indo para Santarém, Pará, com a disposição de lutar nas fileiras da Reforma Agrária. Não sei das condições dessa nova fase, se serei obrigado a deixar a blogosfera – ao menos como colaborador, pois leitor serei sempre –, mas o certo é que não serei mais o redator do Diário da Cratera Urbana. Espero que o blogue continue, em outras mãos.

Agradeço aos leitores, aos que deixaram seus comentários e, principalmente, aos colaboradores, cujos artigos foram publicados aqui. Aos companheiros dessa verdadeira rede alternativa de comunicação, deixo meu abraço solidário e meu apoio nessa luta contra gigantes. Quixotesca, difícil, mas necessária.

quinta-feira, 6 de março de 2008


Polícia bate nas mulheres da Via Campesina que ocupam área da Stora Enso no RS
por Comissão Pastoral da Terra - CPTRS

Cerca de sessenta policiais armados com revólveres, cacetetes, bomba de efeito moral, cachorros e cavalos bateram nas mulheres da Via Campesina que haviam ocupado, ontem, dia 04/03, a fazenda Tarumã, de 2.100 hectares, no município de Rosário do Sul.

A policia isolou o local desde as 11h não permitindo o acesso de alimentos, de água e nem, mesmo, o acesso da imprensa. Por volta das 17 h, para cumprir ordem de reintegração de posse, sem possibilidades de negociação, a policia chegou batendo, encurralando e jogando as mulheres no chão. Além de humilharem e ferirem mais de 60 mulheres, diversas foram presas e tiveram seus pertences recolhidos e danificados.

As demais mulheres cerca de 900 e 250 crianças foram obrigadas a seguir para o ginásio municipal de Santana do Livramento, onde permanecem. As mulheres que sofreram agressões estão fazendo exame de corpo delito no hospital municipal.

A Comissão Pastoral da Terra repudia a violência da polícia e a forma como são tratados os trabalhadores e trabalhadoras e a criminalização dos movimentos sociais.

Este ato na fazenda Tarumã é uma ação para denunciar as ilegalidades das grandes empresas do agronegócio que estão adquirindo terras de forma ilegal e plantando o monocultivo do eucalipto.

A empresa Stora Enso é sueco finlandesa e pela legislação brasileira não pode adquirir terras em uma faixa de 150 km da fronteira do Brasil com outros países. Mas essa multinacional vem comprando dezenas de áreas no Rio Grande do Sul próximo da fronteira com Uruguai onde a empresa também tem plantios de eucaliptos.

A Via Campesina reivindica a anulação das compras de terra feitas ilegalmente pela Stora Enso na faixa de fronteira e expropriação dessas áreas para a reforma agrária. Também a retirada dos projetos no Senado e na Câmara Federal que propõem a redução da faixa de fronteira. Na avaliação das mulheres essa medida só beneficia empresas estrangeiras como a Stora Enso.

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Charge: Vázques

quarta-feira, 5 de março de 2008

A sucessão no Império e a morte nas colônias


A América Andina está sendo palco de uma histórica “guinada à esquerda”. Na maioria dos países que a compõem, os governos têm se destacado pelo forte combate ao imperialismo estadunidense. Hugo Chávez, presidente da Venezuela, e Evo Morales, da Bolívia, lideram um movimento no sentido de uma integração regional soberana, tal qual a preconizada pelo Libertador Simon Bolívar. Paulatinamente, a esquerda vem obtendo vitórias eleitorais significativas em toda a América Latina, fortalecendo a resistência à ingerência dos Estados Unidos na região. Recentemente, o Equador elegeu Rafael Correa, economista que havia deixado o cargo de Ministro do governo anterior por não concordar com acordos comerciais que favoreciam grandes empresas petrolíferas estrangeiras, em detrimento dos interesses do país.

Enquanto isso, nos EEUU, o provável candidato democrata à Casa Branca, Barack Obama – fenômeno de popularidade que está sendo comparado a John F. Kennedy – acena com diversas possibilidades de mudança na postura do país, contrariando fortes interesses sempre guardados por Bush, como os das companhias petrolíferas e armamentistas. Ao que tudo indica, John McCain – possível candidato republicano – terá grande dificuldade em dar seqüência à era conservadora que se instalou no Império desde o primeiro governo George Walker Bush (ou será que desde George Herbert Bush, passando por Clinton?).

Nesse cenário é que o exército colombiano – o qual conta com apoio das Forças Armadas estadunidenses – bombardeou um grupo de pessoas em território equatoriano, sob a alegação de se tratarem de “terroristas” ligados às FARC. Na verdade, guerrilheiros que negociavam a libertação de reféns de guerra. O ato gerou um grave incidente diplomático, colocando os dois países em pé de guerra e explicitando um conflito cuidadosamente construído ao longo dos últimos anos.

O presidente da Colômbia, Álvaro Uribe – que era sócio de Pablo Escobar, como denunciou a amante do narcotraficante –, desde que assumiu o governo, adotou o discurso de “endurecimento contra o terrorismo”, alinhando-se à política internacional de George Bush, sendo, hoje, o principal aliado dos EEUU na América Latina. Algo assim como Israel no Oriente Médio, guardadas as diferenças de contexto. Apesar do sucesso que Chávez vem obtendo em negociar a libertação de reféns das FARC – sinalizando, quem sabe, para um início de pacificação –, Uribe tem atacado repetidamente o vizinho venezuelano, imputando a ele ligações com o “terrorismo internacional”.

Embora minhas parcas duas décadas e pouco de vida, essa história me faz lembrar de muita coisa. Lembro de 2001, quando Bush – depois de eleições fraudadas – assume o poder sob uma séria crise de legitimidade. Veio o providencial 11 de setembro e toda a cruzada messiânica “anti-terror”, ao melhor estilo santo ofício, que o transformou em um dos presidentes mais populares da história estadunidense, apesar da recessão econômica. Lembro que o mesmo discurso baseado no medo do “terrorismo” conseguiu sustentar a tomada do congresso, em 2002, e a reeleição, em 2004. Lembro de Bush reafirmando o apoio de deus à sua guerra contra o “Eixo do Mal” – inimigo tão conveniente quanto o inimigo externo de que falava Orwell –, no qual pode ser incluído qualquer opositor de sua cruzada moderna.

Quanto tempo levaria para que os insubordinados bolivarianos da América do Sul (o tradicional quintal das petrolíferas e bananeiras) fossem incluídos na lista dos terroristas infiéis?

Pois bem. Eis que Álvaro Uribe, o ex-sócio de Escobar e agora marionete de Bush, após ter invadido o Equador “por engano”, diz ter encontrado provas da ligação de Hugo Chávez com o terrorismo internacional – como o presidente colombiano chama aos movimentos políticos do seu país. Mais: diz que Equador e Venezuela têm relações com grupos terroristas. Isso os credencia à entrada definitiva no "Eixo do Mal"?

O que seria capaz de mobilizar mais os patrióticos cidadãos estadunidenses do que o discurso emocionado de Barack Obama? Uma guerra na América Latina?