quarta-feira, 5 de março de 2008

A sucessão no Império e a morte nas colônias


A América Andina está sendo palco de uma histórica “guinada à esquerda”. Na maioria dos países que a compõem, os governos têm se destacado pelo forte combate ao imperialismo estadunidense. Hugo Chávez, presidente da Venezuela, e Evo Morales, da Bolívia, lideram um movimento no sentido de uma integração regional soberana, tal qual a preconizada pelo Libertador Simon Bolívar. Paulatinamente, a esquerda vem obtendo vitórias eleitorais significativas em toda a América Latina, fortalecendo a resistência à ingerência dos Estados Unidos na região. Recentemente, o Equador elegeu Rafael Correa, economista que havia deixado o cargo de Ministro do governo anterior por não concordar com acordos comerciais que favoreciam grandes empresas petrolíferas estrangeiras, em detrimento dos interesses do país.

Enquanto isso, nos EEUU, o provável candidato democrata à Casa Branca, Barack Obama – fenômeno de popularidade que está sendo comparado a John F. Kennedy – acena com diversas possibilidades de mudança na postura do país, contrariando fortes interesses sempre guardados por Bush, como os das companhias petrolíferas e armamentistas. Ao que tudo indica, John McCain – possível candidato republicano – terá grande dificuldade em dar seqüência à era conservadora que se instalou no Império desde o primeiro governo George Walker Bush (ou será que desde George Herbert Bush, passando por Clinton?).

Nesse cenário é que o exército colombiano – o qual conta com apoio das Forças Armadas estadunidenses – bombardeou um grupo de pessoas em território equatoriano, sob a alegação de se tratarem de “terroristas” ligados às FARC. Na verdade, guerrilheiros que negociavam a libertação de reféns de guerra. O ato gerou um grave incidente diplomático, colocando os dois países em pé de guerra e explicitando um conflito cuidadosamente construído ao longo dos últimos anos.

O presidente da Colômbia, Álvaro Uribe – que era sócio de Pablo Escobar, como denunciou a amante do narcotraficante –, desde que assumiu o governo, adotou o discurso de “endurecimento contra o terrorismo”, alinhando-se à política internacional de George Bush, sendo, hoje, o principal aliado dos EEUU na América Latina. Algo assim como Israel no Oriente Médio, guardadas as diferenças de contexto. Apesar do sucesso que Chávez vem obtendo em negociar a libertação de reféns das FARC – sinalizando, quem sabe, para um início de pacificação –, Uribe tem atacado repetidamente o vizinho venezuelano, imputando a ele ligações com o “terrorismo internacional”.

Embora minhas parcas duas décadas e pouco de vida, essa história me faz lembrar de muita coisa. Lembro de 2001, quando Bush – depois de eleições fraudadas – assume o poder sob uma séria crise de legitimidade. Veio o providencial 11 de setembro e toda a cruzada messiânica “anti-terror”, ao melhor estilo santo ofício, que o transformou em um dos presidentes mais populares da história estadunidense, apesar da recessão econômica. Lembro que o mesmo discurso baseado no medo do “terrorismo” conseguiu sustentar a tomada do congresso, em 2002, e a reeleição, em 2004. Lembro de Bush reafirmando o apoio de deus à sua guerra contra o “Eixo do Mal” – inimigo tão conveniente quanto o inimigo externo de que falava Orwell –, no qual pode ser incluído qualquer opositor de sua cruzada moderna.

Quanto tempo levaria para que os insubordinados bolivarianos da América do Sul (o tradicional quintal das petrolíferas e bananeiras) fossem incluídos na lista dos terroristas infiéis?

Pois bem. Eis que Álvaro Uribe, o ex-sócio de Escobar e agora marionete de Bush, após ter invadido o Equador “por engano”, diz ter encontrado provas da ligação de Hugo Chávez com o terrorismo internacional – como o presidente colombiano chama aos movimentos políticos do seu país. Mais: diz que Equador e Venezuela têm relações com grupos terroristas. Isso os credencia à entrada definitiva no "Eixo do Mal"?

O que seria capaz de mobilizar mais os patrióticos cidadãos estadunidenses do que o discurso emocionado de Barack Obama? Uma guerra na América Latina?

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