quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Enquanto isso, no Quartel de Abrantes...


O caso DETRAN/FATEC causou escândalo nacional, alguns envolvidos ficaram alguns dias presos, foi aberta uma CPI na Assembléia Legislativa, outros escândalos similares surgiram e, agora, todos começam a esquecer. Entrou para o rol dos casos de corrupção do país.

É nisso que as raposas velhas da administração central da UFSM estão apostando. A FATEC agora é FATECIENS. Mas só o nome mudou. No apagar das luzes do semestre passado, com escândalo ou sem escândalo, com investigação ou sem investigação, o Conselho Universitário aprovou 19 convênios entre UFSM e FATEC. Detalhe: todos foram para a pauta da última reunião antes das férias – quando o quorum é reduzidíssimo. Na pauta ainda estavam a aprovação das contas da FUNDAE – a outra fundação de “apoio” – e a criação de 4 cursos à distância, também um tema muito polêmico.

Em síntese: tudo como antes da Operação Rodin.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Justiça seja feita aos bons jornalistas



Quando das minhas críticas aos proto-jornalistas da UFSM, sempre fiz a ressalva de que havia gente boa no Curso de Comunicação Social. Uma das pessoas a quem me referia é o Willian Araújo que, entre outras coisas, apresenta o Pró-Música e redige o OpiniaOposta.

Pois bem, há algum tempo ele e os colegas Raero Monteiro e Otávio Chagas (aos quais estendo os cumprimentos) fizeram - para .txt, veja só! (sem trocadilho) - uma investigação na nossa conhecida FATEC. Resultado: os estudantes repórteres descobriram as irregularidades na aplicação de recursos públicos, advindos de Emenda Parlamentar do Deputado Paulo Pimenta (PT). A investigação serviu de base para as reportagens acerca do assunto nos principais jornais do Rio Grande do Sul e mesmo do "centro" do país.

Na ocasião, lamentavelmente, a nossa .txt decidiu não publicar a matéria dos seus colaboradores, de forma que o crédito pela descoberta lhes escapou. Contudo, eis que o terceiro número do periódico preferido deste que vos fala, traz a história toda, que é contada pelo próprio Willian Araújo, no OpiniaOposta (o melhor é que dá pra ler a reportagem sem ter que pegar uma .txt).

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Nevrálgico!?: STF e a Liberdade de Imprensa


O Júlio Canello vem analisando a decisão do Min. Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, sobre a constitucionalidade da Lei de Imprensa, de 1967. A ação, proposta pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), requer a declaração, pelo STF, de que determinados dispositivos da Lei de Imprensa não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988 e outros precisam de interpretação compatível com a Carta Magna.

Em sede liminar, o Relator acolheu parcialmente o pedido, declarando suspensos processos judiciais baseados nos dispositivos questionados da Lei de Imprensa. Conforme O Globo, a decisão do Min. Ayres Britto não atinge as ações de fiéis da Igreja Universal contra empresas jornalíticas, pois as mesmas não são fundamentadas na lei em questão.

Como disse em comentário lá no Nevrálgico!?, considero a Lei de Imprensa um diploma legal vetusto e inadequado, que instrumentalizava a censura da Ditadura Militar e que, por essas razões, encontra-se praticamente em desuso. Contudo, surpreende, nesse caso, o julgamento em sede cautelar, antecipando efeitos da decisão final. Desconheço os processos judiciais apontados pelo PDT, porém a incompatibilidade entre a Lei de Imprensa e a Constituição Federal existe há 19 anos. Por que justamente agora tornou-se tão urgente?
Lembrei do dossiê do Nassif acerca da Veja, em que ele trata da ação combinada entre as matérias da imprensa e as decisões judiciais. Num momento em que a mídia vem sendo fortemente questionada, a decisão parece reforçar as trincheiras dos grandes órgãos de de comunicação. Se fortalece a idéia de que qualquer forma de questionamento da imprensa - mesmo o judicial, direito básico de qualquer cidadão no Estado Liberal - trata-se de tentativa de censura.
A proteção da liberdade de imprensa deve ter como contrapartida necessária a responsabilidade pela livre expressão. Contudo o que as empresas jornalíticas - e muitos jornalistas - aspiram é pairar intocável àcima da lei, com poderes ilimitados e nenhuma responsabilidade por seus atos, tal qual um soberano do absolutismo.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Lula é o álibi de Mainardi

O caso Nassif vs. Veja ameaça abalar as estruturas do jornalismo brasileiro. Até agora não tinha me inteirado do conteúdo das denúncias que o jornalista Luís Nassif vem publicando em seu blog a respeito da revista da Editora Abril. Nesta madrugada, seguindo o caminho indicado pelo Animot, li o dossiê, um verdadeiro raio-X da história recente do periódico. O interessante é que, com a repercussão das denúncias, veio o contra-ataque da Veja, se utilizando de todo seu jogo sujo. No entanto, ao que parece, desta vez o semanário encontrou o padre bêbado, como se diz na Fronteira. Nassif é um adversário difícil de ser intimidado.

Ameaças veladas ou explícitas, perseguições, assassinatos de reputação e chantagens são algumas das armas usadas pela revista em prol de interesses políticos e, principalmente, comerciais. Este é o ponto do último texto da série: Lula é meu álibi. Nele Nassif demonstra que as razões de Veja, e especialmente seu principal colunista, Diogo Mainardi, atacar com tanta virulência o Presidente da República e o PT vão muito além da irresponsabilidade jornalística e da posição ideológica conservadora de ultra-direita. Envolver Lula é o recurso usado para dar uma conotação política aos interesses particulares escondidos sob as “denúncias” – na maioria dos casos, interesses de um personagem bem conhecido na cena política brasileira: Daniel Dantas, o banqueiro “orelhudo” – como diria Mino Carta.

Não sei quais serão as conseqüências dessa verdadeira batalha travada no campo da comunicação. Mas o dossiê de Nassif, com seus desdobramentos, demonstra uma nova conjuntura na produção e circulação de informações, ocasionada pela democratização crescente da internet. Nessa nova conjuntura, torna-se cada vez mais difícil a imposição da visão unilateral por parte dos aparelhos ideológicos tradicionais.
Quem ainda não está a par da questão, não perca tempo. A série de artigos, inciada por A catarse e a mídia, surpreende o leitor mais perspicaz.

O Grêmio de Roth III

Estou muito confiante nesse Grêmio do terceiro governo Roth. Posso estar enganado, mas tive essa mesma sensação após os primeiros jogos de Mano Menezes, ainda na segunda divisão. Há alguns fatores objetivos para explicar meu otimismo: Victor é um grande goleiro – no futuro se falará nas eras de Mazzaropi, Danrlei e Victor. O grupo conta com, no mínimo, três laterais versáteis e de qualidade. A gurizada vinda das categorias de base promete: Willian Magrão, Maylson, Leo, Adilson, entre outros.

A contratação de reforços também foi acertada: além do goleiro, eu destacaria o atacante Perea. A priori, não gosto de jogadores do estilo de Roger. Porém, acredito que possa dar um diferencial necessário ao time, como já o fez Zinho em outra época. E a raça que faltar a Roger é seguramente compensada com o que sobra de raça a Eduardo Costa. Além do mais, o cara traz a Déborah Secco para o Olímpico.

No más, acho Celso Roth um bom técnico, identificado com a cultura gremista. Seu maior “defeito” é não paparicar os repórteres e comentaristas que gostam de escalar time e demitir treinadores.

Porém, meu otimismo se explica, sobretudo, por fatores subjetivos. É o jeito de jogar, a cara do time, o clima. É os jogadores correndo para cumprimentar a Geral depois da partida. E nessa questão de postura, o técnico e as lideranças são fundamentais. Além de Roth e de alguns jogadores, como Eduardo Costa e Pereira, eu destacaria uma figura dos bastidores: Paulo Pelaipe. Clássico cartola enrolão e briguento, Pelaipe sabe “criar clima” e, ainda, entende de futebol.

Há muito tempo não ouvia falar tão mal de um clube quanto do Grêmio no início deste ano. As previsões apocalípticas que foram feitas antes do Gauchão estão se desvanecendo jogo a jogo. Posso estar errado, mas tenho a impressão de que a terceira era Roth vai ser duradoura.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

O crepúsculo de um herói

"Ser tão prudentes no êxito quanto firmes na adversidade é um princípio que não pode ser esquecido. O adversário a derrotar é extremamente forte, mas o mantivemos longe durante meio século. Não me despeço de vocês. Desejo apenas lutar como um soldado das idéias."


Fidel Castro não mais concorrerá nas eleições ao cargo que ocupa há três décadas. A decisão do Comandante-em-Chefe não terá tanta repercussão no socialismo de Cuba - assentado no seu povo e não dependente de um líder - quanto no imaginário de cada socialista espalhado pelo mundo. A importância desse mito, como Lula o qualificou, ainda não pode ser avaliada em toda sua extensão. No tribunal, após o atentado ao Quartel de Moncada, Fidel afirmou "a História me absolverá". Creio que o julgamento esteja começando.


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Texto completo da mensagem publicada nesta terça-feira (19) pelo jornal do Partido Comunista de Cuba, o Granma, no qual o presidente cubano anuncia que não concorrerá ao cargo na próxima reunião do Parlamento, domingo (24).

Prometi a vocês na sexta-feira, 15 de fevereiro, que na próxima reflexão abordaria um tema de interesse para muitos compatriotas. A mesma adquire desta vez a forma de mensagem.

Chegou o momento de postular e escolher o Conselho de Estado, seu presidente, vice-presidentes e secretário.

Desempenhei o honroso cargo de presidente ao longo de muitos anos. Em 15 de fevereiro de 1976 foi aprovada a Constituição Socialista por voto livre, direto e secreto de mais de 95% dos eleitores.

A primeira Assembléia Nacional foi constituída em 2 de dezembro daquele ano e elegeu o Conselho de Estado e sua Presidência.

Antes, tinha exercido o cargo de primeiro-ministro durante quase 18 anos. Sempre dispus das prerrogativas necessárias para levar adiante a obra revolucionária com o apoio da imensa maioria do povo.

Sabendo de meu estado grave de saúde, muitos no exterior pensavam que a renúncia provisória ao cargo de presidente do Conselho de Estado, que deixei nas mãos do primeiro-vice-presidente, Raúl Castro Ruz, em 31 de julho de 2006, fosse definitiva.

O próprio Raúl, que adicionalmente ocupa o cargo de Ministro das FAR (Forças Armadas Revolucionárias) por méritos pessoais, e os demais companheiros da direção do partido e do Estado foram resistentes a me considerarem afastado dos meus cargos, apesar do meu estado precário de saúde.

Minha posição era incômoda frente a um adversário que fez tudo o imaginável para se desfazer de mim e ao qual não queria agradá-lo.

Mais adiante, pude recuperar o controle total da minha mente, a leitura e meditar muito, devido ao repouso. Tinha forças físicas suficientes para escrever por longas horas, o que fazia durante a reabilitação e os programas de recuperação. Um elementar bom senso me indicava que essa atividade estava a meu alcance.

Por outro lado, sempre me preocupei, ao falar da minha saúde, em evitar ilusões de que, no caso de um agravamento do quadro adverso, trariam notícias traumáticas a nosso povo no meio da batalha. Prepará-lo para minha ausência, psicológica e politicamente, era minha primeira obrigação após tantos anos de luta.

Nunca deixei de destacar que se tratava de uma recuperação 'não isenta de riscos'. Meu desejo sempre foi cumprir o dever até o último momento. É o que posso oferecer.

A meus compatriotas, que fizeram a imensa honra de me eleger recentemente como membro do Parlamento, em cujo âmbito devem ser adotados acordos importantes para o destino de nossa Revolução, comunico a vocês que não aspirarei nem aceitarei -- repito -- não aspirarei nem aceitarei o cargo de Presidente do Conselho de Estado e Comandante-em-Chefe.

Em breves cartas dirigidas a Randy Alonso, diretor do programa 'Mesa Redonda' da televisão nacional, que foram divulgadas por minha solicitação, foram incluídos discretamente elementos da mensagem que hoje escrevo, e nem sequer o destinatário das mensagens conhecia meu propósito.

Confiei em Randy porque o conheci bem quando ele era estudante universitário de jornalismo, e me reunia quase todas as semanas com os principais representantes dos alunos, que já eram conhecidos como o coração do país, na biblioteca da ampla casa de Kohly, onde se abrigavam. Hoje, todo o país é uma imensa universidade.

Parágrafos selecionados da carta enviada a Randy em 17 de dezembro de 2007:

'Minha mais profunda convicção é de que as respostas aos problemas atuais da sociedade cubana -- que possui uma média educacional próxima de 12 graus, quase um milhão de pessoas com ensino superior completo e a possibilidade real de estudo para seus cidadãos sem nenhuma discriminação -- requerem mais soluções para cada problema concreto do que as contidas em um tabuleiro de xadrez.

Nenhum detalhe pode ser ignorado, e não se trata de um caminho fácil, se é que a inteligência do ser humano em uma sociedade revolucionária prevalece sobre seus instintos.

Meu dever elementar não é me perpetuar em cargos, ou impedir a passagem de pessoas mais jovens, mas fornecer experiências e idéias cujo modesto valor provém da época excepcional que pude viver. Penso como (Oscar) Niemeyer que é preciso ser conseqüente até o final'.

Carta de 8 de janeiro de 2008:

'Sou decididamente partidário do voto unido (um princípio que preserva o mérito ignorado). Foi o que nos permitiu evitar as tendências de copiar o que vinha dos países do antigo bloco socialista, entre elas a figura de um candidato único, tão solitário e ao mesmo tempo tão solidário com Cuba.

Respeito muito aquela primeira tentativa de construir o socialismo, graças à qual pudemos continuar o caminho escolhido. Tinha muito presente que toda a glória do mundo cabe em um grão de milho.

Portanto, trairia minha consciência ocupar uma responsabilidade que requer mobilidade e entrega total que não estou em condições físicas de oferecer. Explico sem dramas.

Felizmente nosso processo conta ainda com quadros da velha-guarda, junto a outros que eram muito jovens quando começou a primeira etapa da Revolução.

Alguns quase crianças se incorporaram aos combatentes das montanhas e depois, com seu heroísmo e suas missões internacionalistas, encheram de glória o país. Contam com autoridade e experiência para garantir a substituição.

Dispõe igualmente nosso processo da geração intermediária que aprendeu conosco os elementos da complexa e quase inacessível arte de organizar e dirigir uma revolução.

O caminho sempre será difícil e exigirá o esforço inteligente de todos. Desconfio dos caminhos aparentemente fáceis da apologética, ou da autoflagelação como antítese. É preciso se preparar sempre para a pior das hipóteses.

Ser tão prudentes no êxito quanto firmes na adversidade é um princípio que não pode ser esquecido. O adversário a derrotar é extremamente forte, mas o mantivemos longe durante meio século.

Não me despeço de vocês. Desejo apenas lutar como um soldado das idéias. Continuarei a escrever sob o título 'Reflexões do companheiro Fidel'. Será mais uma arma do arsenal com o qual se poderá contar. Talvez ouçam minha voz. Serei cuidadoso.

Obrigado,

Fidel Castro Ruz

18 de fevereiro de 2008

17:30 horas.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Urbanismo: polêmica interessante

Do Le Monde Diplomatique Brasil:

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Vale a pena boicotar o IPTU?

Lançado no Rio, movimento para atrasar o imposto abre debate entre a esquerda. Para Elizabeth Carvalho é um sinal de vida na cidade, e pode evoluir para a reivindicação do Orçamento Participativo. Alexandre Mendes rebate: "a nobreza carioca teme a emergência da periferia — e quer barrá-la".
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sábado, 16 de fevereiro de 2008

Citação

A mesma lei da natureza que nos dá acesso à propriedade, também a limita. [...] Podemos fixar o tamanho da propriedade obtida pelo trabalho pelo tanto que podemos usar com vantagem para a vida e evitando que a dádiva se perca; o excedente ultrapassa a parte que nos cabe e pertence a outros.
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A passagem acima é do Segundo Tratado sobre o Governo, de John Locke, o pai do Liberalismo Político. Jamais vi um “liberal” citá-la.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Artigo: Rumos do PT

Do PT/SP.

A verdadeira mensagem: uma nova maioria no Partido
por Angélica Fernandes e Marcel Frison
A primeira reunião do novo Diretório Nacional do PT que definiu a composição da nova Executiva nacional mostrou que há uma nova maioria em consolidação. Essa maioria, contudo, não reflete o debate político e nem a correlação de forças que emergiram do III Congresso e do PED de 2007.
Os representantes do CNB (Construindo em Novo Brasil) e de Mensagem ao Partido argumentaram na reunião que se tratou de um acordo pontual com o objetivo de construir uma "maioria organizativa". Mas o que vimos na seqüência foi a apresentação de um texto comum acerca da conjuntura defendido pela CNB e Mensagem . A conclusão a que chegamos é que não se trata de aliança pontual, mas de uma nova maioria: com acordo tático e programático.
A nosso ver, essa nova maioria (mesmo que "pontual" como a caracterizam seus integrantes) interrompe processo de transição iniciado pós-crise do 2005. A principal lição que parecíamos ter aprendido naquele trágico momento é que não devemos esquecer a origem daquela crise, que, aliás, se repetiu em 2006 (episódio do "dossiê", ou "aloprados"). A definição sobre a origem da crise sempre nos distanciou - e muito - das concepções da Mensagem, pois, para eles, o núcleo do problema não foi a política de centro-esquerda implementada desde 1995, mas sim uma questão de ordem "ética".
Para nós, a crise de 2005 teve origem nas opções políticas e organizativas de uma maioria – o ex-campo majoritário, que sufocou a democracia e rebaixou nosso programa. Ao longo de quase dez anos, essa antiga maioria desconstituiu politicamente nossas instâncias. O resultado desta política foi a quase destruição de nosso partido.
Portanto, diferentemente de a Mensagem nunca acreditamos que a origem desta crise estivesse localizada simplesmente no rompimento dos parâmetros "éticos" por um grupo, mas sim, no rompimento promovido pelo ex-campo majoritário com nosso programa histórico e estratégico.
O equivoco de a Mensagem repousa no diagnóstico de que os problemas que enfrentamos eram meramente comportamentais e a sua solução na adoção de uma postura mais "ética" ou "republicana".
O que informa a ética, os princípios e os valores a serem vividos dentro de uma determinada organização política e nas suas relações sociais, é o seu caráter (ou natureza) e a sua estratégia.
A tentativa de transformação do PT num partido eleitoral e a hegemonia de uma estratégia de centro-esquerda deu guarida para que alguns dos nossos dirigentes se sentissem à vontade para fazerem o que fizeram.
Ao enfatizar um discurso programático centrado pura e simplesmente na idéia da "revolução democrática" e no conceito de "republicanismo", abandonando a ênfase na ruptura e na estratégia socialista, a Mensagem pode conduzir o partido de tal forma em que se mantenha um ambiente onde os erros do passado possam retornar. Aqui reside nossa grande diferença.
É de se perguntar, por exemplo, se é "ético" ou "republicano" passar uma campanha atacando duramente um determinado agrupamento e depois aliar-se com o mesmo em busca de espaços não conquistados pelo voto? Ou ainda, operar deliberadamente na quebra da democracia interna não permitindo que se expresse na Executiva Nacional a vontade da base partidária colhida nas urnas durante o PED?
Pode ser "ético", contudo, certamente não é nada "republicano". Ao impor uma composição na qual coube à chapa CNB e a chapa Mensagem os três principais cargos – secretaria de organização e finanças com CNB e secretaria geral com a Mensagem, assistimos a retomada do controle quase absoluto da estrutura partidária por uma nova maioria.
Uma concentração de poder semelhante à que contribuiu para que enfrentássemos a maior crise da nossa história.
Outro elemento, além da quebra da democracia interna, é a implementação, por parte da CNB e da Mensagem, de uma política de isolamento da chapa Partido é pra Lutar e de seu candidato a presidente e a tentativa de neutralização da esquerda petista (que também perdeu espaço na composição da nova Executiva).
Diferentemente da tradição do PT (onde a segunda força ocupa a secretaria geral, como símbolo de uma síntese política), nesta composição imposta pelo CNB e Mensagem, restou à chapa Partido é Pra Lutar apenas uma vice-presidência e a Secretaria de Assuntos Institucionais e a Mensagem, além da Secretaria-Geral, ficou com a Formação Política, anteriormente ocupada pela A Esperança é Vermelha.
É de se lamentar que esta situação acabou por gerar o afastamento, embora voluntário, de Jilmar Tatto da Executiva Nacional, companheiro que conquistou no voto o direito de disputar o segundo turno com Ricardo Berzoini.
A explicação para isto pode ser encontrada no próprio segundo turno. A Mensagem, como não conseguiu se constituir como novo pólo dirigente, e não teve seu candidato na fase final da disputa, operou um giro e apoiou, na prática, Ricardo Berzoini. Embora não tivesse declarado apoio formal, os líderes da Mensagem foram a ponta de lança dos ataques mais agressivos à candidatura Jilmar Tato, apoiada no segundo turno pela esquerda petista.
E, agora, continua esse movimento e compõe com a CNB a nova maioria organizativa e política no Diretório Nacional do PT. O que esperar da nova maioria? Qual a política para o próximo período? Como se dará a relação com as outras forças do PT (já que a montagem da nova executiva não foi feita de forma pouco democrática e inclusiva)? São muitas perguntas. Mas uma certeza já podemos ter: a verdadeira mensagem ao Partido era a constituição de uma nova maioria. Ao que tudo indica, tão velha quanto a outra.
.
Angélica Fernandes é secretária estadual de formação política do PT-SP e membro do Diretório Nacional do PT.
Marcel Frison é membro do Diretório Nacional do PT
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Este é um artigo assinado. O seu conteúdo é mérito e responsabilidade do autor e pode ou não refletir a opinião do redator do Diário da Cratera Urbana.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

E nós assistimos...

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Meu observatório precário,
instalado na janela
do décimo segundo andar,
em um quarto e sala apertado,
não revela, nem mesmo,
o abandono dos desamparados!
Espio negros famélicos
revirando sacos de lixo
e penso na tristeza infinita
de não ter um amor!
Meus escritos são egoístas.
Vaidosamente egoístas!
Sou como aquele fotógrafo
que espreita o urubu
que espreita a criança
morrendo de fome!
Joan Baez canta no vinil
-Las Madres Cansadas-
Eu fecho a janela
e os olhos...
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A célebre foto Vulture de Kevin Carter, que suicidou-se algum tempo depois de registrar a imagem. O texto primoroso é parte do poema A Dor do Fingidor, de Paulo Vilmar, meu poeta preferido no momento.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Fotos: créditos

(Anelise Witt)

(Anelise Witt)

(Anelise Witt)

(Anelise Witt)

(Anelise Witt)


(Finbarr O'Reilly - prêmio do World Press Photo)


(Finbarr O'Reilly)

(Finbarr O'Reilly)
(Finbarr O'Reilly)


(Finbarr O'Reilly)

(Ut Cong Huynh)

(Charlie Cole)


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Como diria o Google: imagens possivelmente reduzidas e protegidas por direitos autorais.

Artigo




Fotografia enquanto arte e denúncia
por Anelise Witt



Qualquer pessoa que dedique algum tempo a reflexão sobre a sociedade atual já pode perceber o quão a tecnologia digital está inserida em nossas vidas. Um bom exemplo de aparelho revolucionado pelos avanços da tecnologia é a máquina fotográfica. No início do século era artigo raro, pouquíssimas pessoas a possuíam devido seu elevado valor. Com o andar da carruagem pelos anos do “século das revoluções”, o século XX, observamos que este aparelho capaz de congelar um instante e passá-lo para o papel, com perfeição jamais alcançada pelos maiores mestres da pintura naturalista desde o início da história da arte, diminui em tamanho e aumenta em números.

A máquina fotográfica analógica profissional torna-se uma aliada dos artistas, publicitários e jornalistas, e ganha também sua forma compacta, para “pessoas comuns” registrarem seus momentos com autonomia. Acelerando bruscamente nosso passeio pelo século passado, chegamos à era digital, e a máquina fotográfica também entra nessa. As facilidades dessa tecnologia são enormes, o custo cai consideravelmente, o que democratiza o acesso a essa ferramenta tão útil ao homem. Hoje, qualquer um com uma máquina digital é apto a produzir e editar suas fotos sem necessidade de intermediários, mas não é porque sabemos escrever que seremos todos poetas ou escritores, tirar fotos não faz de ninguém fotógrafo ou artista.

A fotografia já conquistou seu lugar ao sol no universo das artes, é considerada uma linguagem expressiva legítima. A intenção do fotógrafo é o que faz a diferença entre as fotografias artísticas, documentais e publicitárias. A fotografia enquanto arte ganha vantagem por conseguir agregar todas as outras e ainda sim permanecer com seu status artístico. Essa característica é presente na arte contemporânea, não só em fotografia, mas em todas as outras linguagens plásticas expressivas, a tênue divisória deixada pelo modernismo do início do século é totalmente rompida.
Entre os tantos “ismos” do modernismo, podemos mencionar o Realismo Socialista, que na linguagem da fotografia utilizou sensivelmente o caráter documental da fotografia jornalística para produzir uma arte politicamente engajada. Ben Shahn dedicou parte de sua carreira de artista em retratar os trabalhadores do campo, seu trabalho artístico é inegável, porém a denúncia, típica do jornalismo, também está presente.
Para eternizar esses momentos enquadrados por humanos e congelados por uma máquina, o World Press Photo premia todos os anos a fotografia mais marcante. A premiação ajuda a dar visibilidade, imagens como a menina queimada na guerra do Vietnã , e o protesto de estudantes na Praça da Paz Celestial, em Pequim, que ficaram guardados na memória de toda a humanidade, e serviram para, ao menos, uma reflexão sobre a insanidade e crueldade que o homem é capaz. O fotógrafo premiado em 2005 foi Finbarr O’Reilly, um inglês que mora desde 2000 no Senegal, África.
O’Reilly estava em centro de emergências alimentares na Nigéria, mantido por Médicos Sem Fronteiras, por ter comido um espaguete feito com água contaminada. Considerava-se com sorte, pois ao menos tinha o que comer, a maioria dos que esperavam por uma consulta médica estavam com séria desnutrição. Ao esperar por atendimento, o fotógrafo observou uma cena que o fez esquecer por instantes que estava ali para ser tratado, e não a trabalho. Finbarr fotografou Fatou Ousseini, uma mãe que levava seu filho com danos visíveis decorrentes da alimentação insuficiente. A criança de apenas um ano, Alassa Galisou, já apresentava sintomas de desnutrição grave, sua pele já não estava presa aos músculos, o que dava a impressão de serem garras, e não uma mão infantil como era de se esperar. A situação fez com que Finbarr se sentisse no dever de registrá-la, mostrar que Fatou não é um caso único, ela representa um povo inteiro que está sofrendo com doenças tratáveis como a desnutrição, malária, tuberculose e a fome. Essa doenças matam muito mais que a AIDS, e todas elas tem cura.

A fotografia de O’Reilly mistura horror e beleza. Não a beleza das coisas harmônicas e agradáveis, mas a beleza poética que há no ordinário e no horrível. Os que possuem uma sensibilidade perceptiva enxergam além da pura informação visual, não vêem apenas uma mulher e seu filho, mas uma densa atmosfera de significados.

Na mesma época estava ocorrendo o mega-evento LIVE 8, decorrente do G8. O show tinha o objetivo de unir astros da música em cinco shows ao redor do mundo durante 24 horas para chamar a atenção para a crise na África.
A situação na África é sem dúvida emergencial, um continente inteiro em desespero, os que deviam ajudar, pois estão em posição de líderes, não o fazem. A corrupção é a pior das doenças, pois não é tratável por medicamentos, a falta de honestidade e ética são males muito piores, só o próprio “doente” pode curá-la. Infelizmente essa situação não é um mal que afeta só os africanos, aqui no Brasil também vivemos essa realidade. O nordeste é a região mais afetada, a que mais sofre com a corrupção desmedida, mas também não é a única. O Rio Grande do Sul é o estado com maior IDH e ainda sim encontramos seres humanos em situações piores que de animais. O brilhante documentário Ilha das Flores de Jorge Furtado, que recebeu premiações de nível internacional, mostra uma realidade que nos parece ficção, e seria muito bom se realmente fosse. O documentário foi filmado na capital Porto Alegre, mas mesmo em Santa Maria, uma cidade interiorana também chamada de cidade universitária, com um número expressivo de elite intelectual, nos deparamos com imagens desconcertantes.

O calçadão de Santa Maria é um ponto comercial privilegiado, mas em meio aos transeuntes preocupados com seus compromissos e com as vitrines, vemos mães índias com seus filhos sentados no chão com alguns artigos artesanais a venda ou apenas a espera de algumas moedas, sem perspectiva alguma, a não ser de sobreviver. Talvez muitos de nós já estejamos acostumados com essa cena, passamos reto com nossos mp3 players e Ipods no ouvido, esquecendo do nosso entorno, pois temos planos pra vida toda, estamos aqui para conseguir nosso diploma e exercer a profissão que escolhemos.

Para alguns a arte é supérflua, que só é de interesse de classes economicamente favorecidas, pois dispõem de recursos para o consumo e desfrute dela. Parte da afirmação é verdadeira, o dinheiro facilita o acesso à cultura, e a arte está inserida no contexto cultural. Segundo a ONU, as três necessidades básicas do homem são a saúde, educação e cultura. Alguns acham que a saúde é o mais importante, e sem dúvida é, mas quem faz uma escolha dessas está sem as necessidades básicas supridas, ou é um ignorante por vontade própria. A fotografia enquanto arte é cultura e é conhecimento, pode ser também uma ferramenta de denúncia de injustiça aos que nem ao menos possuem saúde, que ficam em filas de espera em um centro de atendimento no meio da África com a morte a espreita.
Anelise Witt é estudante de Artes Visuais da UFSM. Algumas de suas obras podem ser vistas aqui.
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Este é um artigo assinado. O seu conteúdo é mérito e responsabilidade do autor e pode ou não refletir a opinião do redator do Diário da Cratera Urbana.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Legalidade da política de cotas é incontestável


As ações judiciais questionando as ações afirmativas nas Universidades Federais vêm sendo, uma a uma, derrotadas nos tribunais. Recentemente, uma medida liminar que suspendia a reserva de vagas na UFSC foi derrubada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. No dia 24 de janeiro, a Justiça Federal negou o pedido de seis vestibulandos da UFRGS que se sentiram prejudicados pelo sistema de cotas da Instituição.

Em Santa Maria, o sistema de reserva de vagas também foi questionado, no entanto, por outros motivos. Conforme reportagem do Diário de Santa Maria, no dia 16 de janeiro, a Defensoria Pública, representando cinco vestibulandas afro-descendentes, impetrou Mandado de Segurança questionando a exigência do ponto de corte para cotistas. A antecipação dos efeitos da tutela, requerida na ação, foi rechaçada em primeira e segunda instância. Embora o mérito da causa ainda esteja em apreciação do Judiciário, o indeferimento da liminar indica a tendência de que sejam mantidos os termos do edital do concurso vestibular.

A manutenção do ponto de corte para os cotistas é, sem dúvida, uma falha da resolução que instituiu as ações afirmativas na UFSM. Se a intenção da política de cotas é garantir a diversidade étnica e cultural nas salas de aula, através do ingresso de afro-descendentes, indígenas e egressos de colégios públicos, a possibilidade das vagas não serem preenchidas, mesmo havendo candidatos, é um contra-senso. Na análise mais completa do tema feita até aqui, Cesar Jacques apontou o problema. Os próprios responsáveis pela proposta reconheceram publicamente a necessidade de alterar esse ponto específico, de modo a garantir a efetividade das cotas, o que deverá ser feito pelo Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão da Universidade, com vista ao vestibular de 2009.

Em que pese tudo isso, não poderia ter sido outra a decisão da Justiça no caso em questão. A legalidade das ações afirmativas reside na autonomia, constitucionalmente garantida, que as Instituições de Ensino Superior têm para instituírem os critérios de ingresso, o que compreende a exigência – ou não – de uma pontuação mínima. O questionamento do ponto de corte implica no questionamento da capacidade da UFSM fixar os seus próprios critérios de ingresso, argumento utilizado por aqueles que combatem a política de cotas.

No más, defendo que as ações afirmativas da UFSM precisam ser aperfeiçoadas, especialmente pela abolição do ponto de corte. Contudo, é muito cedo para taxar a política de cotas instituída como “engodo” ou de “jeitinho santa-mariense para expressar o racismo incutido no ambiente acadêmico”. Primeiro, porque não temos ainda os resultados do vestibular, portanto não sabemos se as cotas foram ou não preenchidas. Segundo, porque quem lutou pelas ações afirmativas da UFSM sabe o quanto foi difícil aprovar o sistema hoje vigente (para quem quiser recordar). Talvez, sem o ponto de corte, naquele momento, não conseguiríamos. Foi uma vitória circunstancial, não foi a vitória final. Mas, sobretudo, foi uma vitória e é muito cedo para desqualificá-la.
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• Foto de Thiago Medeiros

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Na rede da Cratera Urbana

Do meu navegar impreciso deste final de semana:
• Julia, agora, é Catherine suspirando borboletas no Velho Mundo. Vale a pena acompanhar os relatos de viagem da moça na Europa.

• No Youtube, um vídeo, feito pelo pessoal do Colégio Riachuelo, dá uma idéia do que foi a correria do primeiro dia do vestibular/2008 da UFSM.

• O Thomaz voltou à ativa nessa tal de blogosfera. Diz ele que desta vez é pra valer...

• Last but not least, no Caldo de Tipos, o Paulo Vilmar (para salvar a categoria inscrita na OAB) desvenda os Eus. Incrível.

domingo, 3 de fevereiro de 2008

O gene do mal


Assimetria craniana, fronte fugidia, zigomas salientes, face ampla e larga, cabelos abundantes e barba escassa.

Assim um bem intencionado médico italiano do século XIX descrevia o delinqüente nato. Cesare Lombroso, um dos fundadores da chamada Antropologia Criminal, defendia a idéia de que o crime era a manifestação de uma tendência individual e biológica. O criminoso era um doente, caracterizado por determinados estigmas somato-psíquicos e cujo destino indeclinável era delinqüir, sempre que determinadas condições ambientais se apresentassem.

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O criminoso nato é insensível fisicamente, resistente ao traumatismo, canhoto ou ambidestro, moralmente impulsivo, insensível, vaidoso e preguiçoso.
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Para Lombroso, seria possível reconhecer um potencial homicida, por exemplo, através dos traços de seu rosto. Sua teoria, calcada no determinismo natural, influenciou o Direito Penal por muitos anos, até ser quase que inteiramente desacreditada em face dos avanços da Sociologia Criminal.

Entretanto, eis que o século XXI, com suas especulações acerca da genética, ameaça ressuscitar o determinismo biológico de Lombroso. Aqui mesmo, no Rio Grande do Sul, está sendo desenvolvida uma pesquisa com internos da FASE, na qual se destaca – apesar da alardeada “multidisciplinaridade” – o estudo genético dos menores infratores.
Sobre o tema, eu recomendo o excelente texto, em três parte da Katarina Peixoto, na Palestina do Espetáculo Triunfante. No entanto, não posso deixar de dar o meu pitaco:

Causas biológicas para fenômenos sociais
A crença maniqueísta no naturalmente mau e no naturalmente bom, já serviu como justificativa para as Cruzadas, para o extermínio de indígenas e para o holocausto nazista. Ainda hoje, freqüentemente, é usada pelos defensores da pena de morte, por exemplo. É uma tese, sobretudo, conveniente – talvez por isso, tão recorrente.
Se o “mal” é algo intrínseco do indivíduo – neste caso o delinqüente –, não há de se buscar as causas do crime na sociedade. E mais: se a genética explica o crime, porque não explicaria outras mazelas sociais, como a pobreza, por exemplo? Não seriam os pobres naturalmente menos aptos, ou geneticamente predispostos ao fracasso econômico? A riqueza – mais do que a predestinação calvinista – não indicaria uma superioridade genética?
Ou seja: a sociedade é perfeita, o problema são os genes.

Qual ciência?
Em outro debate - a questão das cotas raciais - o argumento “científico” é recorrente, mas desta vez, no sentido inverso. “Não há diferença genética entre brancos e negros” ou “não existe 'raça’ cientificamente” – alegam os mesmos que defendem a diferença genética entre criminosos e “cidadãos de bem”. Novamente, se busca – por ser conveniente – uma explicação biológica para um fenômeno eminentemente social, como se as únicas ciências existentes fossem as naturais e exatas.
Ora, a raça – e racismo – existe a partir do momento em que determinada pessoa sofre discriminação devido a características fenotípicas. É um fato social, que produz efeitos, independentemente de ter respaldo “científico”.
É importante perceber como se inter-relacionam as variantes do mesmo argumento que, na sua síntese, convergem para a tentativa de encontrar explicações para as disparidades sociais fora da estrutura da própria sociedade.
Quem sabe um Lombroso contemporâneo, visitando os presídios brasileiros, concluísse que o criminoso nato tem cabelos crespos, nariz chato, lábios grossos e pele negra, além de ser fisicamente resistente à tortura e moralmente inclinado ao ócio. Não corresponderia tal descrição à grande maioria da população criminalizada no país, formada por negros desempregados?
Não seria conveniente à elite branca e racista ter uma boa explicação científica para a estranha seletividade dos aparatos repressivos do Estado?

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Sobre falácias

É a segunda vez que comento aqui, no Diário da Cratera Urbana, um texto do “Espaço do Leitor” do jornal A Razão. E, pela segunda vez, o autor é formado em Direito. O que há de comum nos dois casos é a utilização equivocada de um argumento jurídico – em verdade, a distorção do texto legal na tentativa de “adaptá-lo” aos fatos. Na coluna de hoje, a advogada Márcia Elisa Zappe, defendendo a inconstitucionalidade das cotas raciais no vestibular da UFSM – tese já vencida em todos os tribunais –, citou um dispositivo constitucional:
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A Resolução
[que instituiu a política de ações afirmativas na UFSM]
afronta diretamente um dos direitos fundamentais do Estado Democrático de Direito, reconhecido pelo artigo 5°, inciso II, da Constituição Federal, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
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Qualquer pessoa pode encontrar um inciso, alínea, parágrafo entre os 250 artigos da Constituição Federal e dar-lhe a interpretação que aprouver a seus interesses. Contudo, quando o intérprete informa o conteúdo verdadeiro das leis – que é de “clareza solar” – e assina como advogado, a interpretação, ainda que absurda, assume outra conotação. É a velha falácia de autoridade.

Acreditam alguns advogados que aquele número de inscrição na OAB sob o nome, auxiliado por termos do mais puro e hermético juridiquês, são suficientes para transformar suas opiniões – ou preconceitos – em regra. O artigo publicado no A Razão de hoje é claro exemplo disso. A tese defendida pela autora é grotesca; o dispositivo constitucional citado não tem qualquer relação com o assunto e os demais argumentos demonstram absoluta ignorância de conceitos básicos de Direito Constitucional e Administrativo. No final, é reforçado o mesmo chavão cansado: “raça não existe cientificamente”.

Ou seja, a autora desconhece o assunto que está tratando, confunde os objetivos das ações afirmativas e não tem a mínima idéia dos conceitos “científicos” de raça ou racismo, oriundos da sociologia e antropologia. No entanto, acredita que o termo “advogada” sob a assinatura lhe dá autoridade para dar a palavra final sobre o tema. Nossa pobre categoria... tão ignorante e tão arrogante!

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Em tempo: a decisão liminar do juiz de Santa Catarina que suspendia a reserva de vagas no vestibular da UFSC foi derrubada pelo Tribunal, assim como todas as outras até aqui.
۰ Sobre o argumento da "ilegalidade" da Resolução que instituiu a política de cotas no vestibular da UFSM: Cotas: um impasse longe de ser resolvido

O povo do centro apoiou o protesto dos camelôs

Na última terça-feira, num prenúncio do que será a mudança dos camelôs para o dito shopping popular, o centro da Cratera Urbana foi agitado por um protesto de vendedores informais. A causa, segundo a reportagem do Diário de Santa Maria, foi a operação da Brigada Militar que apreendeu mercadorias contrabandeadas.

Normalmente, a polícia age quando os comerciantes fizeram investimentos maiores e estão com os estoques recheados. (Ou quando a propina está atrasada, não sei.) O certo é que as tais “ações de combate ao contrabando” ocorrem de tempos em tempos, sem qualquer regularidade e entremeadas por longos períodos de tolerância.

O caso é paradigmático de uma situação bastante comum e sugere uma reflexão interessante. Há condutas que, embora definidas pela legislação como ilícitas ou, no mínimo, irregulares, são amplamente aceitas pela população, gozando de certo respaldo do Direito Consuetudinário. A venda de mercadorias ditas piratas, embora combatida por campanhas publicitárias caríssimas, não é uma prática rejeitada pela sociedade – ainda que possa sê-lo por algumas camadas sociais. A burguesia comercial torce o nariz, as autoridades fingem que não vêem e o povo adere entusiasticamente.

As bissextas ações repressoras é que são repudiadas, como demonstrou o amplo apoio popular à manifestação dos vendedores ocorrida esta semana. Além de fazer crer que a população não reconhece a reprovabilidade da prática – a qual, em tese, é inerente às condutas ilícitas – a reação dos transeuntes ao protesto demonstra que o comércio informal nas ruas centrais faz parte de uma rotina, de um circuito sócio-econômico identificado com a cultura das pessoas que utilizam aquele espaço, gerando, inclusive, laços de solidariedade.

Há tempos, discutimos aqui a permanência do camelódromo no canteiro central da Av. Rio Branco. Alguém (o autor queira manifestar-se, por favor) argumentou que aquele comércio já fazia parte da cultura do centro da cidade. Creio que a adesão popular ao protesto dos vendedores ambulantes é um forte indício de que o pitaco anônimo acertou na mosca.

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• Fotos de Marina Chapinotto / DSM

Maior parte dos juros da dívida pública vai para 20 mil grupos familiares, revela Ipea

Da Agência Brasil via Blogoleone:

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Brasília - O mercado financeiro está contribuindo para o enriquecimento de um seleto grupo de brasileiros. Segundo o estudo Os Ricos no Brasil, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), cerca de 20 mil clãs familiares (grupos compostos por 50 membros de uma mesma família) apropriam-se de 70% dos juros que o governo paga aos detentores de títulos da dívida pública.
(leia o artigo completo, clicando nas letrinhas azuis).
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A notícia torna-se ainda mais aterradora se considerarmos que dois terços ou mais da arrecadação brasileira são destinados ao pagamento do serviço da dívida. Interessante notar o caráter de denúncia assumido por muitas das pesquisas do IPEA com Márcio Pochmann à sua frente.