sábado, 16 de fevereiro de 2008

Citação

A mesma lei da natureza que nos dá acesso à propriedade, também a limita. [...] Podemos fixar o tamanho da propriedade obtida pelo trabalho pelo tanto que podemos usar com vantagem para a vida e evitando que a dádiva se perca; o excedente ultrapassa a parte que nos cabe e pertence a outros.
____________________________

A passagem acima é do Segundo Tratado sobre o Governo, de John Locke, o pai do Liberalismo Político. Jamais vi um “liberal” citá-la.

6 comentários:

Anônimo disse...

Não viste porque eles sequer o leram, Sr. F. Nos resumos de liberalismo distribuídos entre a ala jovem dos democratas pelo instituto liberal mal e mal há menção a qualquer coisa que não seja doutrinação ao melhor estilo amway, ou algo que o valha.

Um abraço.

Júlio Canello disse...

Sr. F.

Primeiramente: não defendo o pensamento liberal, acho, apenas, que é necessário precisar as definições.

O fragmento que cita deve ser compreendido no interior da obra de Locke, de maneira encadeada com os pontos seguintes, especialmente com aquele onde ele fala sobre o dinheiro.
Aqui, temos a origem da propriedade associada ao trabalho. Isoladamente, apenas isso. É o conjunto da obra que pode indicar rudimentos do pensamento liberal, não apenas esse fragmento (embora a excelência do pensamento liberal econômico não esteja nesse autor).

Não se pode confundir, também, a visão conservadora com a visão liberal da propriedade. Na matriz liberal está presente a idéia de "fluxo" e de "progresso" ou "crescimento". Ou seja, a digna propriedade é fruto do trabalho (ou do dinheiro, acrescento).
Na matriz conservadora, há uma dimensão "estática" que se associa a idéia de possuir ou dominar exclusivamente e com pretensões de perpetuidade. Irrelevante para o conservador saber se a propriedade é fruto do trabalho ou gera progresso.

Nas prosas cotidianas, frequentemente, conservadores são tomados por liberais. Cuidado.

Ainda, elementos liberais são muitas vezes tomados por "progressistas" ou "revolucionários". Nada mais típico disso do que os comentários equivocados sobre uma pretensa "grande mudança de compreensão" quanto a propriedade e a função social no Código Civil de 2002. Se olharmos atentamente, o diploma legal não tende para a esquerda, ele é liberal, embora seus comentadores tenham esquecido o que é o liberalismo e o confundam com conservadorismo.

PS.: creio que tal "esquecimento" seja resultado de um enfrentamento "político-discursivo" que tenta reduzir ambas as linhagens de pensamento político à igualdade.

Fagner Garcia Vicente disse...

Julio, acho que chegaste no ponto.

O objetivo com essa citação era demonstrar que o conceito de "função social da propriedade", tão combatido por auto-proclamados "liberais" - na verdade conservadores, como observaste -, já estava presente, ainda que de forma rudimentar, no início da tradição liberal.

Note-se que a introdução do dinheiro, para Locke, remove os limites da propriedade (dados pela capacidade do proprietário fazer uso sem desperdício), no entanto, não remove a obrigação da utilidade dessa mesma propriedade. A acumulação para além desses limites iniciais é moral e justa - em sua concepção - porque "aumenta os estoques da humanidade" (pt. 37 do Segundo Tratado), pela sua maior produtividade. Dessa forma, o aumento da riqueza individual se justificaria pela melhoria das condições gerais, inclusive dos não-proprietários.

Fagner Garcia Vicente disse...

Ora, a contrario sensu, a propriedade que não contribua para as melhorias das condições gerais da humanidade é imoral e injusta.

Claro que as limitações da teoria imaginativa e ahistórica de Locke são muitas. O seu mérito, porém, não é oferecer uma explicação liberal da economia, mas ter lançado bases para uma justificativa ideológica da propriedade. Eis porque os "liberais" (i.e. os conservadores) limitam-se a citar os trechos em que o filósofo diz ser o objetivo do governo a defesa da propriedade, sem dizer qual propriedade. Como quem cita o art. 5º, XXII "esquecendo" o XXIII.

Júlio Canello disse...

Perfeito Fagner.

Aí esta a idéia de "fluxo" e "progresso" na noção de propriedade do pensamento liberal.

Júlio Canello disse...

E concluindo...

onde eu queria chegar...

a questão é: "nossos" "liberais" são muito mais conservadores do que eles mesmo crêem.