sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Sobre falácias

É a segunda vez que comento aqui, no Diário da Cratera Urbana, um texto do “Espaço do Leitor” do jornal A Razão. E, pela segunda vez, o autor é formado em Direito. O que há de comum nos dois casos é a utilização equivocada de um argumento jurídico – em verdade, a distorção do texto legal na tentativa de “adaptá-lo” aos fatos. Na coluna de hoje, a advogada Márcia Elisa Zappe, defendendo a inconstitucionalidade das cotas raciais no vestibular da UFSM – tese já vencida em todos os tribunais –, citou um dispositivo constitucional:
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A Resolução
[que instituiu a política de ações afirmativas na UFSM]
afronta diretamente um dos direitos fundamentais do Estado Democrático de Direito, reconhecido pelo artigo 5°, inciso II, da Constituição Federal, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
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Qualquer pessoa pode encontrar um inciso, alínea, parágrafo entre os 250 artigos da Constituição Federal e dar-lhe a interpretação que aprouver a seus interesses. Contudo, quando o intérprete informa o conteúdo verdadeiro das leis – que é de “clareza solar” – e assina como advogado, a interpretação, ainda que absurda, assume outra conotação. É a velha falácia de autoridade.

Acreditam alguns advogados que aquele número de inscrição na OAB sob o nome, auxiliado por termos do mais puro e hermético juridiquês, são suficientes para transformar suas opiniões – ou preconceitos – em regra. O artigo publicado no A Razão de hoje é claro exemplo disso. A tese defendida pela autora é grotesca; o dispositivo constitucional citado não tem qualquer relação com o assunto e os demais argumentos demonstram absoluta ignorância de conceitos básicos de Direito Constitucional e Administrativo. No final, é reforçado o mesmo chavão cansado: “raça não existe cientificamente”.

Ou seja, a autora desconhece o assunto que está tratando, confunde os objetivos das ações afirmativas e não tem a mínima idéia dos conceitos “científicos” de raça ou racismo, oriundos da sociologia e antropologia. No entanto, acredita que o termo “advogada” sob a assinatura lhe dá autoridade para dar a palavra final sobre o tema. Nossa pobre categoria... tão ignorante e tão arrogante!

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Em tempo: a decisão liminar do juiz de Santa Catarina que suspendia a reserva de vagas no vestibular da UFSC foi derrubada pelo Tribunal, assim como todas as outras até aqui.
۰ Sobre o argumento da "ilegalidade" da Resolução que instituiu a política de cotas no vestibular da UFSM: Cotas: um impasse longe de ser resolvido

3 comentários:

Paulo Vilmar disse...

Sr.F!
A "Bacharel" em questão é esposa do ex vereador BUZATI, do PTB, que já foi presidente do mesmo... dá prá entender, não.
Abraços.

Paulo Vilmar disse...

Sr.!
Acho que vais ter que comentar outra carta de leitor. Desta vez do Diário, de 1º de Fevereiro, edição 1775. O Marcelo Rosa Martins, estudante de Jornalismo, dá uma aula de ignorância sobre as FARC. Veja aqui: http://www.clicrbs.com.br/jornais/dsm/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&edition=9229&template=&start=1§ion=Colunas+e+Charges&source=a1753547.xml&channel=10&id=&titanterior=&content=&menu=&themeid=§ionid=&suppid=&fromdate=&todate=&modovisual=
Abraços.

Tomacaúna disse...

Pois é Paulo... estudante de jornalismo... a falta de informação, nessa área, é grave, não?

Apesar dos meus 23, às vezes me sinto velho, olhando para o conservadorismo da juventude atual... esse é um belo exemplo.