Neste instante a "nação verde-amarela" (lembro de Renato Russo "nosso Estado que não é Nação") está unida em torno de um grande objetivo nacional: ultrapassar Cuba no quadro de medalhas do Pan. Seria interessante que além desse tosco e momentâneo ufanismo (e nem é Copa do Mundo, o momento máximo do patriotismo tupiniquim), os brasileiros refletissem sobre Cuba, essa nação que, mesmo isolada em sua pequena ilha rochosa, consegue façanhas, como competir em pé de igualdade com as potências mundiais nos mais diversos esportes.
Quem sabe questionar porque o Brasil - tantas vezes maior, mais populoso, mais rico - ainda não consegue alcançar a excelência cubana nos esportes. Talvez ajude lembrar dos nossos esportistas do caratê, judô, atletismo, ginástica, boxe, futebol feminino (que ganhou medalha de ouro vestindo o uniforme de 2002), entre tantos, que, mesmo vitoriosos, precisam implorar pelo bondoso patrocínio dos empresários nacionais (descontado dos impostos, diga-se).
No capitalismo, esporte é comércio; em Cuba, esporte é desenvolvimento humano. Os atletas brasileiros, que têm a sorte de destacarem-se nos poucos esportes comercialmente rentáveis, tornam-se astros ricos e mudam-se para a Europa. Os atletas cubanos que, a cada competição internacional muito bem representam seu país, permanecem pobres (mas não miseráveis) como, de resto, toda população de Cuba. Porém, tornam-se heróis nacionais.
Há uma grande diferença entre mercenários e heróis nacionais. Mas o fato de os primeiros serem ricos e os segundos pobres, às vezes, é o que importa mais. Nestes Jogos Pan-Americanos, alguns atletas e treinadores cubanos pediram asilo ao Brasil, certamente motivados por gordas propostas do mercado esportivo do Primeiro Mundo. Abandonam a oportunidade de serem heróis para tornarem-se mercenários.
O presidente cubano ecreveu sobre o assunto na sua "Terceira Reflexão sobre o Pan", publicada no Gramna. Transcrevo, na tradução portuguesa da Equipe de Tradutores do Conselho de Estado.
O Brasil substituto dos Estados Unidos?
Há muito pouco falei a respeito do roubo de cérebros, algo repugnante. Pouco depois apareceu um bom atacante da equipe cubana de handebol vestindo o uniforme de uma equipe profissional de São Paulo.
A traição por dinheiro é uma das armas prediletas dos Estados Unidos para destruir a resistência de Cuba.
O atleta cursava os estudos superiores; se formaria na Licenciatura em Educação Física e Esportes, um trabalho digno. Suas receitas são modestas, mas sua preparação profissional é altamente apreciada; seja qual for o esporte e sua especialidade, o mesmo se são capazes de atrair muito público e publicidade comercial, ou não atraem nenhum, são úteis para o desenvolvimento humano.
Aqueles que solicitaram asilo brasileiro fazem-no quando os Estados Unidos declararam recentemente que não cumprirão as cifras exatas dos acordos migratórios que subscreveram com nosso país. Baste assinalar que dos quase duzentos atletas e treinadores que participaram na primeira semana das competições dos Pan-americanos, faltaram um jogador de handebol e um treinador de ginástica.
Não vou dizer por isso que a equipe de handebol de Cuba era melhor do que a excelente equipe do Brasil e seus formidáveis atletas, contudo a delegação cubana recebeu um golpe moral baixo nos Jogos Pan-americanos com essas solicitações de asilo político. Puseram a equipe cubana fora de combate antes que começasse a luta pela medalha de ouro.
No passado domingo, 22 de julho, ao meio-dia, recebemos a triste notícia de que dois dos mais relevantes atletas de boxe, Guillermo Rigondeaux Ortiz e Erislandy Lara Santoya, não se apresentaram à pesagem. Simplesmente receberam nocaute com um golpe direto no queixo, faturado com notas norte-americanas. Não fez falta nenhuma contagem de proteção.
Observando os primeiros combates em Rio exclamei que nossos pugilistas lutavam com tanta elegância e domínio técnico que convertiam em arte seu rude esporte.
Na Alemanha existe uma máfia que se dedica a selecionar, comprar e promover pugilistas cubanos nas competições esportivas internacionais. Usa métodos psicológicos refinados e muitos milhões de dólares.
Apenas três horas depois, a vitória da cubana Mariela González Torres na Maratona, um clássico do esporte Olímpico que fez com que percorresse mais de 40 quilômetros, compensou com acréscimo a traição e inscreve com letras de ouro sua façanha na história esportiva de sua pátria.
O povo de Cuba deve honrar o exemplo heróico de Mariela, nascida na oriental província de Granma, cujas taxas de mortalidade infantil e materna foram, em 2006, de 4,4 em cada mil nascidos vivos e 11 em cada 100 mil partos, melhores que as dos Estados Unidos. Em seu município, rio Cauto, com 47 mil 918 habitantes, foi zero em ambas as duas.
Além disso, Cuba dispõe de milhares de bons treinadores ou técnicos que trabalham no estrangeiro com atletas que não poucas vezes ganham medalhas de ouro competindo contra os nossos. Algo mais: existe uma Escola Internacional de Professores de Educação Física e Esportes onde cursam estudos superiores mais de 1.300 jovens do Terceiro Mundo. Há uns dias graduaram-se 247. Não cultivamos o chauvinismo nem o espírito de superioridade. Apoiamo-nos na ciência e nos conhecimentos, sobre essas bases lutamos para criar os valores éticos de uma mente sadia num corpo sadio.
Não existe nenhuma justificativa para solicitar asilo político. Não se importam com que o Brasil não seja seu mercado definitivo. Há países ricos do primeiro mundo que pagam ainda mais. As autoridades brasileiras declararam que os desertores deverão provar a necessidade real de asilo. É impossível demonstrar o contrário. De antemão conhece-se seu destino final como atletas mercenários numa sociedade de consumo. Acho que ofenderam o Brasil utilizando os Pan-americanos como pretexto para se autopromover. De qualquer jeito consideramos úteis as declarações das autoridades.
Desejamos que o Brasil, país irmão da América Latina e do Terceiro Mundo, obtenha a honra de ser sede de uma Olimpíada.
Fidel Castro Ruz23 de julho de 2007
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