domingo, 16 de dezembro de 2007

Plano 3.000 e a luta de classes em Santa Cruz, Bolívia

"A autonomia que Santa Cruz quer é elitista e excludente, nós preferimos continuar sendo só bolivianos."

O jornal Estado de São Paulo traz reportagem sobre o conflito entre a população do bairro de Plano 3.000, na periferia de Santa Cruz e as elites da cidade, os principais opositores às reformas do presidente Evo Morales Aymá. A matéria, assinada por Ruth Costas, é ilustrativa da situação da Bolívia e - em grande parte - aplica-se também à Venezuela.

"O curto trajeto de seis ou sete quilômetros que separa a rica cidade boliviana de Santa Cruz do bairro periférico chamado Plano 3.000 equivale a uma viagem ao longínquo altiplano do país. Na maior parte do Plano 3.000 não há água, luz, ou saneamento básico.

No total, 60% da população vive na pobreza e os outros 40%, na miséria. As ruas asfaltadas são apenas duas, uma delas levando a um amplo mercado a céu aberto onde se vende desde CDs piratas até carne de lhama - exposta por horas num balcão de madeira apesar do calor de 30 graus das terras baixas bolivianas nessa época do ano.

Todo o resto são caminhos enlameados e casebres precários, construídos na medida em que chegavam ao local imensas levas de bolivianos de todas as partes do país. “Viva a soberania indígena”, diz a mensagem no muro, que recebe os visitantes. A semelhança com a próspera Santa Cruz, repleta de edifícios e casarões arejados dos empresários do setor petrolífero e agroindústria, restringe-se às altas temperaturas e à umidade, em contraposição ao clima frio e seco de La Paz.

Não é difícil entender, portanto, porque o Plano 3.000 se tornou um dos principais redutos do presidente Evo Morales nos departamentos opositores do Oriente boliviano e um trunfo estratégico em tempos de alta tensão entre as “duas Bolívias” - a andina e a das terras baixas."

O miserável Plano 3.000 é um foco de resistência à campanha das elites de Santa Cruz contra o governo central:
"Sempre que as elites políticas e econômicas de Santa Cruz convocam greve geral contra o governo, os 200 mil habitantes dessa cidade-satélite trabalham normalmente. Na sexta-feira, quando Santa Cruz preparava um protesto pedindo mais autonomia de La Paz, no Plano 3.000 planejava-se comemorar a entrega ao Congresso do projeto para uma nova Constituição, elaborado pelo partido governista Movimento ao Socialismo (MAS), de Evo."

Os habitantes do bairro, a maioria indígena e todos pobres, dizem que se o departamento de Santa Cruz tornar-se autônomo, eles reivindicarão sua autonomia municipal em relação ao departamento: "Preferimos continuar sendo só bolivianos" - afirma Flora Silva, líder comunitária local. Ela declarou ainda que os moradores de Plano 3.000 têm medo de circular pela cidade de Santa Cruz, onde são ameaçados pela elite branca local. A reportagem do Estadão cita o caso recente de um aymara que fotografava um ato político e foi espancado por um grupo de jovens, defensores da autonomia de Santa Cruz. No dia seguinte, o principal líder de Plano 3.000 teve sua casa atacada com dinamite por membros de uma organização juvenil anti-Evo.



Santa Cruz e Plano 3.000 são a síntese da disputa existente na Bolívia. Uma luta entre históricos interesses de classe. De um lado, as elites de Santa Cruz, com seus privilégios coloniais ameaçados pelas reformas do governo central. De outro, a imensa população miserável e explorada desde que os espanhóis tomaram o Império Inca.
Evo Morales é apenas a face mais conhecida de um grande movimento: a revolução dos povos que bravamente resistem a uma guerra de extermínio de mais de 500 anos. A elite econômica boliviana deve tremer. As palavras finais de Túpac Catari, ditas há mais de dois séculos, estão ressoando em seus ouvidos: "Eu voltarei e serei milhões".

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