segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

O mundo é um moinho


Vou falar agora de duas coisas que havia decidido não abordar neste espaço: minha vida e questões internas do meu partido.

Eu comecei minha militância no Partido dos Trabalhadores piazito ainda, por volta dos treze anos, quando, de enxerido, ia às reuniões do diretório municipal de São Borja sempre que havia um ato, mobilização ou congênere. Com uma mistura de Marx, Trotsky, Frei Betto e Leonardo Boff ainda mal digerida na cabeça, uma camiseta com a figura do Che estampada e, sobretudo, aquela estrela no peito, que parecia me deixar dois palmos mais alto, tanto orgulho eu sentia.

Ser petista em São Borja, naquela época, era praticamente um crime. Era afrontar uma ordem coronelista de latifundiários falidos e políticos serviçais que se revezavam no poder. A ditadura, com a longa intervenção militar na cidade de fronteira, tinha deixado suas marcas bem profundas. Para os padrões locais, aquela reunião de sindicalistas, professores grevistas, trabalhadores sem-terra e sem-teto, mais os “igrejeiros” das pastorais, era um núcleo subversivo. Lembro de um panfleto que respondia a quase todas as dúvidas políticas que eu tinha naquele tempo. Lembro da bandeira vermelha com a estrela dourada no centro. Lembro da fé dos companheiros. Sim, a fé que transparecia no mínimo gesto; que transformava cada ato num passo decidido na direção de um mundo melhor.

Mesmo as práticas mais corriqueiras guardavam um significado especial. Eu via aquelas pessoas e pensava que aquele partido tinha um compromisso com a história.

Não sei se eu era demasiadamente ingênuo e minha percepção mudou, ou se o nosso partido mudou. Disse o companheiro Igor de Bearzi, esses dias, que temos um partido que encantou e continua encantando jovens por todo o Brasil. Mas eu temo que se tivesse novamente meus treze anos hoje, não me encantaria com o que vi.

Vi meus companheiros de partido aplaudirem o número expressivo de votantes no Processo de Eleições Diretas do PT, mesmo sabendo que não houve nada mais do que um simulacro de debate interno; mesmo sabendo que a maioria dos votantes não sabia no que votava; mesmo sabendo que grande parte deles fora “carreada” por deputados locais.

Vi meus companheiros aplaudirem a transformação do PT em um outro partido qualquer, que em quase nada difere dos partidos coronelistas lá de São Borja. Não, esse PT não me encanta mais.

Temo, porém, que o tempo agora não seja de encantamentos. Talvez seja tempo de fezes e maus poemas, como disse o Drummond. E, num tempo desses, quem sabe nos reste apenas semear flores, para que, ao menos uma, fure o asfalto, o nojo e o tédio. Para que, ao menos uma – por feia que seja – apareça para encantar algum passante.
• Informaria aqui o resultado do PED municipal, mas não tive ânimo. Aqueles que ainda não sabem, vejam no Claudemir.
• Drummond: "A flor e a náusea".
• Cartola: "O mundo é um moinho".

3 comentários:

Paulo Vilmar disse...

Sr. F!
Os desencantamentos fazem parte da vida. Cheguei, votei e saí, alguma coisa me dizia que nada mais era o que parecia ser. Também pensei em Drummond:
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.

O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.

Nosso partido ainda é o único caminho viável! Vamos demorar para nos reencontrar, para lustrarmos nossa estrela e andarmos "dois palmos mais altos". não nos afastemos...
Abraço.

Anônimo disse...

Fagner, ótimo (e verdadeiro) texto!

Abraço!

Anônimo disse...

Eu também sempre fui defensor e admirador do PT que conheciamos. Um partido com dogmas ideológicos e éticos, diferencial diante dos outros partidos.

O atual PT uqe conheço, com certeza não traz as mesmas sensações de antes.